Que o STF se tornou o poder moderador da república e já faz o papel dos 3 poderes sozinho, todos sabemos. Mas tentar interferir na negociação de um banco privado em processo de falência, é demais até para o judiciário brasileiro
O brasileiro já está tão cauterizado pelos constantes escândalos de corrupção que quando algo como esse caso envolvendo o banco Master e os ministros do STF vem a público, a surpresa nem é tão grande assim. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes teria ligado seis vezes, em um único dia, para o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para tratar de um tema bastante específico: a situação do Banco Master e a tentativa de venda da instituição ao Banco de Brasília (BRB). Não estamos falando aqui de uma conversa protocolar, nem de um encontro casual em algum evento institucional. Estamos falando de sucessivas ligações telefônicas, concentradas em um curto espaço de tempo, justamente no momento em que o Banco Central analisava uma operação sensível envolvendo uma instituição financeira sob suspeita de fraudes bilionárias.
A história, por si só, já seria suficientemente estranha. Mas, como quase sempre acontece quando o estado está envolvido, ela consegue ficar ainda mais esquisita conforme novos detalhes vêm à tona. O Banco Master havia sido colocado sob intervenção do Banco Central, em meio a graves questionamentos sobre sua saúde financeira e práticas internas. Paralelamente a isso, veio a público o fato de que a esposa de Alexandre de Moraes mantinha um contrato de representação com o próprio Banco Master, justamente para atuar junto a órgãos públicos, incluindo o Banco Central. Ou seja: o banco precisava desesperadamente de decisões favoráveis do regulador, e um ministro da mais alta Corte do país, cuja família tinha relação profissional com a instituição, estaria em contato direto e reiterado com o chefe desse regulador.
Diante da repercussão, Moraes divulgou notas negando qualquer irregularidade. Afirmou que não teria tratado do Banco Master nessas ligações, que os contatos diziam respeito a outros assuntos, como a aplicação de sanções internacionais previstas na chamada Lei Magnitsky, e que o escritório de sua esposa não atuou no caso da venda do banco. O problema é que as explicações não apenas falharam em dissipar as suspeitas, como levantaram novas dúvidas. As agendas oficiais não registram tais reuniões, há inconsistências sobre datas, e algumas versões apresentadas simplesmente não batem com os fatos narrados nas reportagens. Em resumo: quanto mais se tenta explicar, mais a história parece mal contada.
E é justamente aí que a coisa começa a feder de verdade. Porque não estamos diante de um detalhe irrelevante, nem de uma fofoca política de bastidor. Estamos falando de um ministro do STF — alguém que concentra um poder imenso sobre a vida política, jurídica e econômica do país — se envolvendo, direta ou indiretamente, em uma negociação altamente sensível do sistema financeiro, cercada de interesses privados, dinheiro público e decisões discricionárias do estado. Mesmo que, por ora, não exista uma prova cabal de crime, a simples aparência de conflito de interesses já deveria ser suficiente para acender todos os alertas possíveis. Como diz o velho ditado, que parece ter sido completamente esquecido em Brasília: à mulher de César não basta ser honesta; deve parecer honesta.
Mas sejamos francos: alguém ainda se surpreende? A relação promíscua entre estado, sistema financeiro, altos funcionários públicos e suas respectivas famílias não é exceção — é regra. O que este caso faz, de maneira particularmente didática, é escancarar o funcionamento real das instituições estatais. E, apesar de toda essa podridão, ou talvez justamente por causa dela, ainda podemos extrair lições valiosas sob a ótica libertária. Lições que vão muito além de Alexandre de Moraes, do Banco Master ou do Banco Central brasileiro. Trata-se de compreender como o estado opera, quais incentivos ele cria — e por que ele falha de maneira estrutural.
A primeira grande lição libertária que salta aos olhos é a inutilidade — e, mais do que isso, a nocividade — dos bancos centrais. O Banco Central costuma ser vendido ao público como um órgão técnico, neutro, composto por especialistas iluminados que cuidam da estabilidade monetária e da saúde do sistema financeiro. Na prática, porém, ele funciona como uma engrenagem política, profundamente suscetível a pressões, interesses e relações pessoais. O caso do Banco Master ilustra isso com perfeição. Em um mercado verdadeiramente livre, bancos ruins quebram. Simples assim. Se uma instituição financeira faz péssimas escolhas, assume riscos excessivos ou opera de forma fraudulenta, ela deve arcar com as consequências. Seus ativos são liquidados, seus prejuízos são absorvidos por quem assumiu o risco, e o mercado segue em frente.
O problema é que, quando existe um banco central, esse processo natural é constantemente sabotado. O estado não aceita a falência como parte do funcionamento normal da economia. Pelo contrário: ele se esforça para salvar bancos amigos, ainda que isso signifique prejuízo para a população inteira. Bancos centrais intervêm, criam linhas especiais de crédito, facilitam operações de venda, flexibilizam regras, imprimem dinheiro e manipulam taxas de juros — tudo para evitar que instituições “importantes demais para quebrar” enfrentem o destino que qualquer empresa comum enfrentaria. Por causa disso, temos um sistema financeiro artificial, inflado, sustentado por moeda sem lastro e por decisões políticas, não econômicas.
E isso não é exclusividade do Brasil. Bancos centrais no mundo inteiro operam de maneira semelhante. Eles distorcem o preço do dinheiro, destroem a poupança por meio da inflação, incentivam o endividamento irresponsável e criam ciclos intermináveis de bolhas e crises. O caso do Banco Master apenas expõe, em escala local, um problema global: o banco central não existe para proteger o cidadão comum, mas para proteger o sistema estatal-financeiro de suas próprias falhas.
A segunda lição libertária é igualmente incômoda, mas impossível de ignorar: juízes estatais não têm incentivos reais para agir de forma ética ou justa. Isso pode soar ofensivo para quem ainda acredita na aura quase sagrada do Judiciário, mas é apenas uma constatação econômica básica. Juízes não competem entre si por clientes. Não precisam prestar um bom serviço para manter sua posição. Não perdem renda se tomarem decisões ruins, injustas ou politicamente enviesadas. As pessoas são obrigadas, coercitivamente, a se submeter às suas decisões. E mesmo nos raros casos em que algum magistrado é flagrado em corrupção explícita, a punição costuma ser uma aposentadoria precoce, com salário integral pago pelo contribuinte.
Dentro desse contexto, o caso envolvendo Alexandre de Moraes e o Banco Master se torna ainda mais preocupante. Ainda que não haja, até o momento, uma condenação ou prova definitiva de corrupção, o simples fato de um ministro do STF se ver envolvido em uma situação dessas já demonstra o quão frágeis são os mecanismos de controle interno do estado. Não há incentivos reais para que ele se afaste, se explique de forma transparente ou sequer se preocupe com a aparência de imparcialidade. O sistema foi desenhado para protegê-lo, não para responsabilizá-lo.
E aqui cabe repetir: não se trata de um ataque pessoal, mas de uma crítica estrutural. Juízes estatais operam em um monopólio artificial. E monopólios, quando não criados pela competência de uma empresa, mas sim pela coerção do estado, como qualquer libertário sabe, tendem à ineficiência, à arbitrariedade e ao abuso. Quando não há escolha, não há justiça de verdade — apenas autoridade imposta.
A terceira lição libertária que emerge desse episódio, é que o estado é o único agente capaz de criar concorrência verdadeiramente desleal. No mercado, quando uma empresa cresce muito, compra concorrentes ou investe pesado em marketing, isso é apenas o resultado de escolhas voluntárias. Pode ser desagradável para alguns, mas não é injusto. Já quando o estado entra na jogada, a concorrência deixa de existir. Regras passam a ser moldadas sob medida, decisões regulatórias beneficiam uns e prejudicam outros, e o acesso ao poder político se torna mais importante do que eficiência ou inovação.
Como competir, honestamente, com bancos que mantêm relações tão íntimas com ministros da mais alta Corte e com os chefes dos órgãos reguladores? Como um banco pequeno, sem conexões políticas, pode sobreviver em um ambiente em que decisões cruciais são tomadas em telefonemas privados, longe da luz do dia? O estado não apenas distorce o mercado — ele destrói o próprio significado da palavra concorrência. O que sobra é um simulacro de capitalismo, sustentado por favores, contatos e influência política.
No fim das contas, a história envolvendo o Banco Master, Alexandre de Moraes, o Banco Central e todas as notas mal explicadas não é um ponto fora da curva. É apenas mais um capítulo de um livro que já conhecemos bem. Um livro que narra como o estado funciona quando ninguém está realmente olhando — e como ele continua funcionando mesmo quando todos estão olhando, porque sabe que dificilmente será responsabilizado.
A lição libertária final é dura, mas libertadora: não há como consertar esse sistema por dentro. Mais leis, mais regulações, mais “transparência” institucional não resolvem o problema, porque o problema é o próprio monopólio estatal do dinheiro, da justiça e da regulação. Enquanto aceitarmos que um pequeno grupo de pessoas concentre tanto poder, histórias como essa continuarão a se repetir. Com outros nomes, outros bancos, outras notas oficiais mal escritas — mas sempre com o mesmo desfecho: prejuízo para a população e proteção para os amigos do poder.
E se tudo isso soa pessimista, talvez seja apenas realista. Afinal, se até uma sequência de seis ligações em um único dia já é capaz de revelar tanto sobre a podridão do estado, imagine o que não veríamos se todas as conversas viessem à tona.
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/moraes-ligou-seis-vezes-para-galipolo-num-dia-para-tratar-de-banco-master-diz-jornal/