Flow Games vai PROCESSAR TODO MUNDO. Será que virou CRIME ser HATER?

Há pouco tempo o Podpah começou a processar canais de opinião que os criticavam. Agora, o Flow Games decidiu fazer o mesmo. Será que virou crime ser hater? Entenda a visão libertária sobre o assunto.

A internet é um organismo vivo que pula de tendência em tendência e está sempre criando algo novo, e quando você acha que já viu de tudo, aparece alguém pra mergulhar em uma banheira de Nutella, serrar uma placa do Youtube ao meio ou doar 100 casas pra pessoas carentes. Mas a mais nova tendência entre youtubers, ao menos aqui no Brasil, é um pouco inusitada e podemos abordar isso de um ponto de vista libertário. O que vem se tornando cada vez mais comum entre youtubers, influencers e portais é processar quem fala mal deles. A moda agora é acionar o estado para resolver aquilo que, na prática, sempre fez parte da vida de quem escolhe viver de exposição pública: as críticas, as piadas, as ofensas, e até os exageros inevitáveis que surgem quando se fala com uma multidão. O caso mais recente, que ganhou destaque, envolve ninguém menos que o Flow Games, projeto derivado do famoso Flow Podcast, que resolveu abraçar de vez o modelo da indústria de games no Brasil. Segundo informado pelo próprio Davy Jones, rosto mais conhecido do canal, o pessoal do Flow Games está se organizando para processar em massa aqueles que os criticaram ou ironizaram de maneira mais pesada em redes sociais, como se palavras e opiniões fossem um crime comparável a um roubo à mão armada.

O curioso é que, ao contrário do que muita gente imagina, não estamos diante de um episódio isolado. O Flow Games pode até ser a bola da vez, mas essa onda processual já apareceu em outras situações recentes no meio digital brasileiro. O youtuber Felca, por exemplo, entrou na justiça contra nada menos que 233 perfis que o chamaram de pedófilo. O caso ganhou tanta repercussão que a imprensa registrou até mesmo a estratégia de seu advogado, que teria sugerido que os acusados fizessem uma doação de 250 reais a uma ONG de proteção à infância como forma de encerrar o processo. Uma espécie de indulgência moderna: falou besteira na internet, passa no caixa, paga o valor e sai limpo. Outros influenciadores também seguiram caminho semelhante, como o Podpah, que não hesitou em derrubar os vídeos de canais de opinião que os criticavam, e até chegaram a processar o Youtuber Ramsés. E claro, não podemos esquecer de mencionar o Cellbit, um dos nomes mais famosos do YouTube nacional, que processou nada menos que 217 usuários do X, que fizeram comentários considerados “discurso de ódio”, após ele ter sido acusado pela ex-namorada de assédio sexual.

Só que o ponto central que parece escapar aos que correm para os tribunais a cada comentário ofensivo, é que se você se lança na arena pública, vai ser aplaudido por uns e vaiado por outros. Não existe exposição sem crítica, não existe fama sem detratores. A internet potencializou esse fenômeno de forma radical, porque se antes o máximo de crítica que alguém poderia receber era uma vaia num show ou uma carta para o jornal, hoje qualquer pessoa com uma conta anônima no X ou no TikTok pode espalhar sua opinião para milhares, às vezes milhões de pessoas. É a lei dos grandes números: quanto maior a sua audiência, maior também a probabilidade de que alguém, em algum lugar, vá dizer algo desagradável sobre você. Essa realidade pode até ser dura, mas é parte intrínseca do jogo. Entrar na internet achando que só vai receber elogio é insanidade ou muita inocência. A crítica faz parte do processo. E o caminho natural para lidar com ela não é recorrer ao braço pesado do estado, mas sim encarar o debate de frente, responder com argumentos, com humor ou simplesmente ignorar, quando for o caso.

O problema é que, no Brasil, criou-se a cultura da “honra ferida”, que transforma qualquer ofensa em crime. E é justamente aqui que entra a perspectiva libertária. Pela ética libertária, ofensa não é crime. Palavras, por mais duras que sejam, não constituem uma agressão em si mesmas. O único caso em que palavras podem configurar crime é quando elas representam uma ameaça factível, isto é, quando alguém anuncia a intenção de cometer uma agressão real, imediata e plausível. Se eu digo “vou te matar amanhã, quando você sair do trabalho”, isso é uma ameaça concreta que restringe a liberdade da vítima, porque cria um medo real de agressão física. Mas se eu digo “você é um idiota, um incompetente, um enganador, queria que você morresse”, isso não passa de opinião. Pode ser desagradável, pode até ser injusto, mas não é crime. No máximo, é uma crítica mal-educada. E a liberdade de expressão só faz sentido se ela inclui justamente a possibilidade de dizer coisas desagradáveis. Defender apenas o direito de dizer o que é bonito ou agradável não é defender liberdade — é defender censura seletiva.

É por isso que quando vemos casos como o do Felca e do Cellbit processando centenas de perfis, ou o Flow Games anunciando que vai “processar todo mundo”, não podemos deixar de perceber a distorção que isso cria. Na prática, o que essas ações significam é a tentativa de transformar a crítica em algo punível pelo estado. O que deveria ser resolvido no livre mercado de ideias — com réplicas, tréplicas, sátiras e contra-argumentos — acaba sendo transferido para um tribunal, onde um juiz, alguém que não tem nenhuma ligação direta com o assunto, passa a decidir o que pode ou não ser dito. Isso não apenas viola o princípio da liberdade de expressão, mas cria um efeito perverso: a autocensura. Se a cada comentário negativo eu corro o risco de receber uma intimação judicial, a tendência é que eu simplesmente deixe de me expressar. E uma sociedade em que as pessoas deixam de se expressar por medo de processo é uma sociedade sufocada, onde a verdade deixa de emergir justamente porque alguém pode se sentir ofendido.

Claro, alguém pode argumentar que ser acusado falsamente de pedofilia, como no caso do Felca, é algo mais grave do que apenas ser chamado de idiota. E de fato, acusações desse tipo podem ser devastadoras. Mas mesmo nesses casos, a solução libertária não é o processo estatal em massa contra perfis anônimos, mas sim o exercício da liberdade em outros termos. Em primeiro lugar, é preciso entender que a reputação de uma pessoa é construída a partir de um conjunto de percepções sociais, e não pode ser controlada à força. Tentar processar todo mundo que fala mal de você é como tentar impedir que o vento sopre. Não funciona, e ainda te faz parecer autoritário. Em segundo lugar, no ambiente digital, a melhor forma de combater uma acusação falsa é justamente expor sua falsidade, trazer provas, apresentar fatos e deixar que a verdade se imponha. O mercado de ideias, ao longo do tempo, tende a corrigir injustiças. Não de forma perfeita, claro, mas de maneira muito mais justa do que um estado que distribui punições conforme o humor do juiz ou a pressão da opinião pública.

Vale destacar também o impacto prático dessas ações judiciais em massa. Quando um influenciador famoso decide processar centenas de pessoas, ele não está apenas buscando “justiça” para si mesmo. Ele está, na prática, usando seu poder financeiro e sua influência para intimidar indivíduos comuns, que muitas vezes não têm condições de pagar um advogado, se defender ou até mesmo compreender os trâmites legais. A desigualdade é gritante: de um lado, alguém com milhões de seguidores e dinheiro para contratar os melhores escritórios de advocacia; de outro, anônimos que, por uma piada ou comentário infeliz, se veem arrastados para dentro de um processo que pode custar meses de dor de cabeça e milhares de reais em honorários. Isso não é justiça — é abuso do sistema estatal para esmagar a crítica. É transformar o estado em instrumento de vingança pessoal. E nada poderia estar mais distante do ideal libertário.

Esse cenário fica ainda mais absurdo quando lembramos que muitos desses mesmos influenciadores construíram sua fama justamente em cima da irreverência, da crítica e até do deboche. O Flow, por exemplo, nasceu como um espaço de conversas livres, sem amarras, sem medo de falar o que se pensa. Era essa autenticidade que atraía o público. Agora, ver um projeto derivado como o Flow Games se colocando no papel de censor judicial é quase uma traição ao próprio espírito que os lançou ao sucesso. É como se o rebelde adolescente que criticava tudo de repente tivesse virado o tio rabugento que chama a polícia porque os vizinhos estão fazendo barulho. A incoerência salta aos olhos. E no fundo, o que está em jogo é a incapacidade de lidar com aquilo que todo adulto deveria aprender cedo ou tarde: nem todo mundo vai gostar de você, e tá tudo bem. Se até Jesus foi odiado pela maioria, quem somos nós pra não aceitarmos críticas?

É claro que se expor na internet não é fácil. Quem já produziu conteúdo sabe disso. É lidar com haters, com mal-entendidos, com gente que não sabe interpretar ironia, com fãs que confundem intimidade e passam do limite. Mas esse é o preço da exposição. E o que diferencia os que prosperam dos que se afundam é justamente a capacidade de lidar com isso de forma madura, sem se colocar como vítima permanente. A saída nunca vai ser recorrer ao estado, porque isso só reforça a dependência de uma estrutura que, historicamente, serve muito mais para restringir a liberdade do que para protegê-la. A saída é usar as ferramentas que já estão à disposição: a réplica, a criatividade, o humor, a transparência. O silêncio, quando necessário. E, acima de tudo, a compreensão de que a liberdade tem um custo. Se você quer o bônus da fama, precisa arcar também com o ônus da crítica.

No fim das contas, quando o Flow Games anuncia que vai processar todo mundo, ele não está apenas tentando calar seus críticos. Ele está dando um recado perigoso: o de que a discordância não é tolerada, e de que a justiça estatal pode ser usada como arma para impor silêncio. O mesmo vale para o Felca e seus processos em série, para os processos e derrubadas de vídeos do Podpah, para os processos do Cellbit e para qualquer outro que venha a seguir esse caminho. E se a sociedade aceitar esse modelo, estaremos condenados a viver num ambiente cada vez mais controlado, em que falar a verdade ou simplesmente expressar uma opinião impopular pode se tornar motivo de processo. O espaço da liberdade se estreita, e o estado se fortalece. Tudo por causa da incapacidade de lidar com palavras.

A lição libertária, no entanto, continua válida e mais atual do que nunca: ofensa não é crime. Palavras não matam. A crítica é parte essencial da vida em sociedade, e mais ainda da vida pública. O único crime possível com palavras é a ameaça real, plausível, de agressão física. Todo o resto deve ser resolvido no campo das ideias. O que o Flow Games, Felca e companhia estão tentando fazer é terceirizar para o estado a tarefa de blindá-los contra críticas. Mas isso não é possível sem destruir a própria base da liberdade de expressão. E uma vez que a liberdade de expressão se perde, todo o resto se perde junto.

Portanto, se existe um recado a ser dado aqui, ele é simples: quem se expõe deve estar preparado para críticas, e quem não suporta críticas não deveria se expor. Processar todo mundo pode até parecer uma solução fácil a curto prazo, mas a longo prazo destrói o ambiente de liberdade que tornou possível, em primeiro lugar, o sucesso desses influenciadores. É um tiro no pé. E é por isso que, para além de qualquer simpatia ou antipatia por nomes como Flow Games, Felca, Podpah ou Cellbit, a posição correta é sempre a mesma: defender a liberdade de expressão, mesmo quando não gostamos do que é dito. Porque a alternativa é viver num mundo em que só se pode falar o que agrada — e esse mundo, além de falso, é insuportável.

Referências:

https://backlogger.com.br/flow-games-processar-todo-mundo/
https://www.youtube.com/watch?v=KkCXLABwHP0
https://www.youtube.com/watch?v=5Xg2Css7Uq8
https://www.youtube.com/watch?v=RZEb_utxH4s
https://ocp.news/entretenimento/streamer-cellbit-abre-processo-contra-217-contas-no-twitter-entenda