Um processo oneroso e burocrático como o judicial brasileiro concluiu algo bastante óbvio: que cachorro não é filho de humanos. Acompanhe esta história no mínimo estranha.
A sociedade contemporânea assiste uma transformação peculiar. Em meio ao avanço tecnológico, à urbanização desenfreada e ao isolamento crescente dos indivíduos, surge uma nova moda: tratar animais de estimação como filhos. Cachorros e gatos são vestidos como bebês, celebram aniversários com direito a bolo e parabéns, frequentam spas, usam roupas de grife e ganham até perfis em redes sociais.
Não há absolutamente nada de errado nisso sob a ótica libertária. Afinal, cada indivíduo é soberano sobre sua própria vida e sobre o destino do seu dinheiro. Se alguém deseja gastar fortunas com um shih-tzu mimado ou contratar um personal trainer para seu rottweiler, que assim seja. Porém, essa tendência revela um sintoma da sociedade atual: uma confusão cada vez maior entre o afeto legítimo pelos animais e o uso do aparato estatal para regular sentimentos e relações privadas.
E o problema não para aí. Quando as pessoas decidem transformar um pet em um filho simbólico, tudo bem, não ferindo nenhum princípio de liberdade, sem problemas. O problema começa quando recorrem ao Estado para isso. É nesse cenário que surge o caso inusitado de um casal divorciado de São Paulo que decidiu levar à justiça uma disputa pela "pensão alimentícia" de um cachorro. Sim, você leu corretamente... pensão alimentícia para cachorro.
Antes de detalharmos o episódio específico da pensão canina, é importante entender que esse caso não surgiu do nada. Vivemos uma era em que, cada vez mais, o sistema jurídico e a máquina pública se veem convocados a arbitrar sobre as situações mais banais e bizarras da vida privada. No Brasil, já existem inúmeros registros de disputas judiciais por guarda compartilhada de pets após o fim de um relacionamento. Alguns tribunais, inclusive, determinam visitas quinzenais, cronogramas de passeios e custeio de veterinário dividido entre as partes, como se estivéssemos tratando de filhos menores de idade. E não são raros os casos em que o judiciário se vê obrigado a decidir, se o cachorro pode ou não mudar de cidade junto com um dos "pais".
(Sugestão de Pausa)
Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais avançada, para não dizer surreal. Em alguns estados americanos, já existem advogados especializados em "direito dos pets", cuidando de testamentos que incluem heranças milionárias para cachorros e tutores nomeados judicialmente para gerir a fortuna dos bichos. Um exemplo notável foi de um cachorro de colo maltês branco chamado Trouble. Sua ex-dona, Leona Helmsley, herdeira do New York Hotel, morreu em 2007. Neste caso, Leona surpreendeu todos seus familiares por ter dado 12 milhões de dólares de herança para seu pet. Trouble foi considerado na época, o cão mais rico do mundo. Sua vida pomposa durou até sua ditosa velhice. Em 2011, o maltês faleceu com seus 12 anos de vida.
Todavia, é importante ressaltar que esses casos não são exatamente um problema para quem os protagoniza. Se alguém quer deixar sua herança para um cachorro, dentro do direito privado, isso é uma escolha legítima. O problema começa quando se recorre à maquina estatal para decidir quem deve pagar a ração, o veterinário ou o pet shop, isso é a judicialização do afeto. Além disto, sobrecarrega um sistema que já é lento e caro para os cofres públicos.
O episódio mais recente dessa tendência, ganhou as páginas do G1 em 18 de julho de 2025. Um casal divorciado de São Paulo protagonizou um processo que beira o cômico, mas escancara um problema grave: o uso da Justiça para resolver questões que poderiam ser tratadas em uma simples conversa ou contrato particular.
O caso envolveu um pedido formal de pensão alimentícia para o cachorro do casal, um golden retriever de 10 anos chamado Lucky. A ex-mulher alegou que o animal era considerado "membro da família" e que, por isso, o ex-marido deveria contribuir financeiramente para a manutenção do pet. Segundo a peticionária, as despesas com ração, veterinário, vacinas e até remédios eram "altas" e justificariam a obrigação judicial.
O caso foi parar na 6ª Vara da Família e Sucessões da Comarca da Zona Leste de São Paulo. A juíza do caso, Ludmila Rodrigues Azevedo precisou gastar tempo, papel, impressões da máquina estatal, para proferir uma sentença cujo conteúdo deveria ser óbvio para qualquer cidadão: "cachorro não é filho". Em sua sábia decisão, a magistrada explicou que o Código Civil brasileiro prevê pensão alimentícia apenas para filhos, cônjuges e parentes em situação de necessidade. Animais de estimação, por mais queridos que sejam, não fazem parte desse rol jurídico (pelo menos por enquanto, até um progressista ter a maravilhosa ideia, de incluir os pets no código civil). Portanto, não existe qualquer previsão legal que obrigue alguém a pagar pensão para um cachorro.
O libertarianismo considera que a base das relações humanas em uma sociedade livre é o contrato voluntário. Se o casal, no momento do divórcio, tivesse estipulado por escrito quem ficaria responsável pelos custos do pet, não haveria necessidade de recorrer ao judiciário. Contratos claros e bem redigidos evitam litígios, reduzem custos e preservam a paz social. Não é preciso envolver o Estado em tudo. É apenas uma questão de autonomia privada.
Além do princípio dos contratos individuais, os libertários defendem que cada pessoa é responsável por seus atos e escolhas. Se alguém decide adotar um cachorro, deve assumir o compromisso de cuidar dele, sem empurrar essa obrigação para terceiros ou para a máquina pública. Não cabe ao judiciário, custeado pelos impostos da sociedade, servir de árbitro em discussões sobre a divisão da ração dos pets.
(Sugestão de Pausa)
Processos judiciais como esse têm um custo para os cofres públicos. Cada ação na Vara de Família mobiliza juízes, escreventes, oficiais de justiça e toda uma estrutura burocrática, paga com dinheiro dos impostos. No fim das contas, a sociedade inteira paga para que o Estado diga o que qualquer adulto minimamente sensato já sabe: cachorro não é filho.
Esse tipo de situação se transforma em uma comédia de erros. O judiciário, que já demora meses ou anos para julgar casos de pensão infantil real, violência doméstica ou disputas graves de guarda, é obrigado a parar tudo para decidir quem paga o banho de um cachorro. É como se a justiça fosse um grande balcão de reclamações existenciais, e o Estado, um terapeuta forçado a ouvir os desabafos da vida privada, ou como se o Estado fosse um Paizão, obrigado a resolver todos os problemas do indivíduo, que não é capaz de solucionar coisas simples.
O caso da pensão do cachorro expõe, de forma tragicômica, a necessidade de uma mudança cultural urgente: precisamos devolver às pessoas a responsabilidade por suas próprias vidas e relações. O contrato individual é a ferramenta mais poderosa para isso. Ele é eficaz, barato, apaziguador e não onera os cofres públicos.
Se os casais que se separam discutissem previamente a guarda e os custos dos animais de estimação, redigindo um contrato privado, o judiciário não precisaria ser acionado para decidir coisas tão banais. O Estado não é babá de cachorro, terapeuta de casal ou zelador dos sentimentos alheios.
Em um mundo mais livre, cada indivíduo deve ser responsável por resolver seus próprios problemas, assumindo o ônus e o bônus de suas escolhas. Não é função do aparato estatal dizer quem paga a ração ou o antipulgas do seu buldogue francês. Isso é, no fundo, um sintoma da infantilização da sociedade e da dependência crescente do Estado para arbitrar tudo, inclusive o que poderia ser resolvido com uma conversa madura e um contrato consensual.
Se a liberdade é a regra, o contrato é o instrumento. E se quisermos evitar que a justiça vire palco de discussões sobre "pensão canina", está na hora de levarmos esse princípio a sério, caso contrário, em breve, estaremos discutindo também, pensão para bebês reborn, ou quem sabe, até para pets reborn.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/07/18/cachorro-nao-e-filho-justica-nega-pensao-alimenticia-para-pet-em-sp.ghtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=g1
SOBRE O CAHORRO QUE recebeu a HERANÇA
https://abcnews.go.com/US/leona-helmsleys-dog-trouble-richest-world-dies-12/story?id=13810168