Nem promoção de 50% de desconto está sendo suficiente pra atrair alunos. Após governo anunciar apoio à nova lei que permite CNH sem autoescola, alunos desaparecem e autoescolas correm o risco de falir antes mesmo da nova lei entrar em vigor
Pois é, bastou o governo federal anunciar que a obrigatoriedade das autoescolas pode estar com os dias contados para que o setor entrasse em pânico. Em questão de dias, os pátios ficaram vazios, os carros de aprendizagem começaram a acumular poeira e os donos de centros de formação passaram a falar em falência iminente. “O movimento está zerado”, lamentou Ygor Valença, presidente da Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto). O curioso é que a lei sequer mudou ainda — está apenas em consulta pública. Mas o simples rumor de que o cidadão poderá aprender a dirigir sem passar pelo ritual burocrático estatal já foi suficiente para travar o caixa das empresas. É o tipo de comportamento que, para um libertário, fala mais alto do que mil discursos sobre a “necessidade de autoescolas” para um trânsito mais seguro.
Afinal, se a mera possibilidade de liberdade causa colapso num setor, o que isso diz sobre a sua real necessidade? O que o caso das autoescolas expõe é um fato incômodo: muita gente só as procura porque é obrigada. O dia em que essa obrigação cair — e talvez esse dia esteja mais próximo do que imaginamos — ficará evidente que a “demanda” por esse serviço sempre foi artificial, sustentada à força pelo braço regulatório do estado.
Desde que a Senatran anunciou a proposta que tornaria opcional contratar uma autoescola, permitindo que o candidato tenha aulas com instrutores autônomos credenciados, usando seu próprio carro ou o de terceiros, as matrículas desabaram. Segundo Valença, “a autorização do presidente para levar a minuta à consulta pública está sendo lida como ‘acabou a autoescola’, e o aluno decidiu esperar”.
Em outras palavras, o brasileiro médio, sempre atento a oportunidades de escapar da coerção disfarçada de cuidado, resolveu simplesmente não gastar o próprio dinheiro com algo que pode deixar de ser obrigatório em breve. Não há nada de irracional nisso. Ao contrário: é a mais pura racionalidade econômica.
A estudante Maria Fernanda Vieira, ouvida pelo portal UOL em uma reportagem, resumiu bem o espírito do momento: “Confesso que tenho uma boa noção de direção, pois dirijo na fazenda, com meu pai. Se eu puder, em vez de pagar a autoescola, contratar duas ou três aulas particulares, acho que vou economizar muito.”
A fala dela deveria ser afixada nas paredes do Congresso Nacional: o cidadão não quer paternalismo, quer liberdade para escolher — e economizar no processo.
A Senatran argumenta que a mudança poderá reduzir o custo da CNH em até 80%, abrindo as portas para milhões de pessoas que já dirigem, especialmente de moto, mas vivem à margem da legalidade por não poder bancar o custo absurdo do processo atual. E aqui vale um parêntese: quando o estado torna o cumprimento da lei inacessível, ele mesmo cria os “ilegais” que depois finge combater.
Mas, claro, a elite burocrática do setor — aquela que sobrevive exclusivamente de regulamentos, exigências e carimbos de autoridade — não aceita perder o monopólio sem espernear. “Não é flexibilização, é substituição”, diz o presidente da Feneauto. Ele se queixa que o próprio governo, que antes obrigava as autoescolas a manter frota, sala de aula, diretor pedagógico e instrutores com carteira assinada, agora simplesmente “apagou tudo isso”.
Bem-vindo ao mundo real, caro burocrata. A diferença entre o mercado e o estado é simples: o mercado vive de satisfazer o cliente; o estado vive de satisfazer a si mesmo. Se, ao primeiro sopro de liberdade, o setor entra em colapso, isso é apenas o mecanismo da concorrência natural mostrando quem realmente oferece valor.
Os defensores da velha estrutura tentam apelar ao medo. Alegam que o novo modelo seria um risco à “segurança no trânsito”, porque os instrutores autônomos poderiam dar aulas em carros sem duplo comando. É o mesmo argumento de sempre: sem o estado, o caos; sem o controle, o desastre. É a falácia do “pai protetor” que precisa manter o filho eternamente sob vigilância para evitar que ele tropece.
Mas sejamos honestos: o que garante um trânsito mais seguro — um aluno que aprendeu por obrigação, cumprindo horas burocráticas em aulas repetitivas, ou alguém realmente interessado em aprender, pagando diretamente por um instrutor que precisa oferecer qualidade para sobreviver no mercado? O primeiro é produto de uma engrenagem estatal; o segundo, de um contrato voluntário. E a história mostra que os contratos voluntários sempre produzem resultados melhores que os arranjos coercitivos.
Aliás, é curioso notar como a já citada reportagem do UOL, menciona que muitos instrutores, animados com a ideia de autonomia, logo perceberam que poderiam trabalhar de forma mais livre, até mesmo por aplicativos — o que o próprio presidente da Feneauto comparou com o modelo dos motoristas de Uber. Ele reclama que “muitos instrutores primeiro acharam que teriam autonomia, depois entenderam que teriam de se submeter a um app”.
Ora, é justamente essa dinâmica de adaptação que faz o mercado evoluir. Surgirão plataformas intermediárias, sim — e também concorrentes independentes. Uns vão querer mais controle, outros mais liberdade. E o consumidor escolherá o que preferir. Isso se chama concorrência, e é dela que nasce a inovação.
Enquanto isso, as autoescolas tradicionais iniciam demissões. Segundo Valença, “elas estão desligando recepcionistas, diretores e instrutores, afinal, essas funções deixam de ser obrigatórias”. Em outras palavras, o castelo corporativo construído sobre exigências legais está desmoronando — e isso é ótimo. Toda profissão que depende de lei para existir, e não de valor percebido pelo cliente, está fadada ao desaparecimento.
Mais interessante ainda é notar o “efeito espera” mencionado na reportagem. Mesmo com descontos de 50%, ninguém quer se matricular. Por quê? Porque o consumidor está reagindo exatamente como o livre mercado ensina: quando há expectativa de um preço mais baixo no futuro, o consumo recua no presente. É o mecanismo natural da oferta e demanda, funcionando apesar do estado, e não graças a ele.
A Senatran afirma que o objetivo é “baratear o acesso e formalizar quem já dirige”, mantendo um controle mínimo por meio do credenciamento dos instrutores e de uma prova prática mais rigorosa. E isso já é uma enorme evolução: menos imposição, mais liberdade de escolha. O candidato poderá, se quiser, fazer tudo com o CFC tradicional — ou contratar um instrutor independente.
Agora, imagine se esse princípio fosse aplicado a outros setores: Advogados e juízes autônomos concorrendo com a justiça cartelizada; escolas privadas disputando alunos sem currículo imposto por Brasília; empreendedores abrindo negócios sem precisar implorar licenças. A desregulamentação de um único setor é como uma janela que se abre para o mundo lá fora — o ar fresco da liberdade começa a entrar, e o cheiro de mofo estatal se torna insuportável.
Mas, antes que nos empolguemos demais, convém lembrar: estamos falando de um governo Lula. E quando um governo com vocação centralizadora subitamente decide “dar liberdade”, o cidadão prudente deve desconfiar. Não é da natureza do estado abrir mão de poder — muito menos de fonte de arrecadação.
Se Lula e seus assessores estão realmente dispostos a acabar com a obrigatoriedade das autoescolas, é quase certo que já vislumbram uma nova forma de encher os cofres em outro ponto do sistema. Talvez mais gente habilitada signifique mais carros, mais IPVA, mais combustível vendido e, portanto, mais impostos cobrados.
É sempre assim: o governo dá com uma mão e tira com a outra — e, geralmente, tira mais do que deu. Basta ver o recente caso da isenção de imposto de renda para as faixas mais baixas. Soou como um alívio, até que os “ricos” tiveram seus tributos aumentados. E quem são esses “ricos”? Os mesmos empresários e profissionais que geram empregos, produzem bens e serviços e, inevitavelmente, repassam o custo adicional aos preços. No fim, o pobre volta a pagar a conta — só que indiretamente.
O estado é um artista da ilusão. Mostra o presente reluzente com uma mão, enquanto a outra vasculha o bolso do contribuinte. E a plateia aplaude, acreditando ter sido beneficiada. A ironia é que, quando o governo promete “baratear o custo da CNH”, ninguém se pergunta o que virá depois: talvez um aumento no licenciamento, talvez uma nova taxa ambiental sobre veículos, talvez um reajuste no combustível “para compensar”. O que importa é que, no balanço final, o estado sempre sai ganhando.
De todo modo, a reação em cadeia provocada pela simples proposta de mudança na CNH já revelou algo profundo: a dependência criada por décadas de controle estatal é artificial. Quando o governo apenas sussurra a palavra “liberdade”, a engrenagem parasitária treme. Isso deveria ser motivo de celebração, não de lamento.
Se essa desregulamentação realmente vingar — e se o governo por um milagre resistir à tentação de compensar com mais impostos —, veremos florescer um novo mercado de instrução de direção, mais livre, mais competitivo e mais eficiente. Instrutores independentes, plataformas inovadoras, preços ajustados pela concorrência, e até famílias ensinando seus filhos a dirigir de forma segura e econômica. É assim que a sociedade deveria funcionar: com base na cooperação voluntária, não na coerção estatal.
No fundo, a lição das autoescolas é a mesma que se aplica a todo o resto da economia: o estado não produz nada. Ele apenas impõe, regula, proíbe e rouba. E, na maioria das vezes, quando decide “proteger” alguém, está apenas protegendo seus próprios intermediários — aqueles que vivem da canetada, e não da competência.
O ideal seria que o governo, em vez de escolher quais setores podem respirar, simplesmente retirasse suas mãos de tudo. Deixasse que o mercado, com sua lógica orgânica e descentralizada, fizesse o que sempre faz melhor: permitir que as pessoas escolham. Sem tutela, sem obrigação e sem paternalismo.
https://www.uol.com.br/carros/colunas/paula-gama/2025/10/16/movimento-esta-zerado-autoescolas-temem-falencia-antes-mesmo-de-nova-lei.htm