Até ontem, para o estado, apostar era errado, imoral, prejudicial, um verdadeiro problema pro Brasil. Mas agora, parece que tudo mudou e apostar é lindo, maravilhoso e a melhor coisa que você pode fazer na sua vida. Vem aí o Tigrinho estatal.
Se há algo que o estado brasileiro sabe fazer com maestria é olhar para o que o mercado cria, ficar com inveja e, em seguida, montar uma cópia tosca, cara e moralmente duvidosa, vendendo-a como um ato de “proteção ao cidadão”. Foi assim com a Petrobras, com os Correios, com a EBC — e agora é com o jogo. A Caixa Econômica Federal anunciou que pretende lançar, já em novembro, sua própria plataforma de apostas esportivas, uma “bet estatal”, e a meta, inicialmente, é modesta: faturar R$ 2,5 bilhões em 2026. O nome ainda não foi revelado, mas já podemos apelidar de Betbras, Tigrinho Federal, Mega Bet ou sejá lá o nome que você imaginar. Não se espante se daqui a alguns dia o aplicativo aparecer na sua loja com um mascote sorridente e uma mensagem acolhedora sobre “apostas responsáveis”.
A ideia, dizem os iluminados de Brasília, é oferecer mais segurança e credibilidade ao apostador. É sempre para proteger os vulneráveis. A Caixa afirma que sua plataforma vai exigir reconhecimento facial e CPF para se cadastrar, tudo para “evitar que pessoas em situação de vulnerabilidade, como beneficiários de programas sociais, façam apostas”.
É aqui que a mentirada começa. Porque, convenhamos, o estado brasileiro não tem o menor interesse em proteger ninguém de vícios, perdas ou tentações. Ele quer proteger apenas uma coisa: sua fatia do bolo.
Até ontem, esse bando de parasitas diziam que as bets privadas eram um perigo à moral, que viciavam jovens, destruíam famílias e corrompiam o tecido social. Hoje, as mesmas pessoas posam sorridentes, dizendo que vão “regulamentar o setor” e “trazer segurança para o mercado”. Ora, o que mudou de um ano para o outro? As estatísticas sobre vício mudaram? Ou será que foi o significado da palavra vício que mudou? Quem sabe saiu um estudo mostrando que o vício em apostas faz bem pro coração? Nada disso. O que mudou foi que o estado percebeu que é mais fácil entrar no jogo, do que parar o jogo.
Quando o estado condena o vício, ele não está preocupado com o vício em si — está preocupado com a arrecadação que o vício gera fora de suas mãos. É por isso que drogas são proibidas, mas cigarro e álcool têm selo de aprovação, com imposto e logotipo do governo na embalagem. É por isso que o mesmo estado que demoniza cassinos é dono de uma loteria nacional. O que ele chama de “imoral” é apenas o que ele ainda não conseguiu taxar.
E agora, o que era um pecado terrível virou o próximo grande projeto do governo. A Caixa, esse banco lixo que só sobrevive porque somos obrigados a usá-lo pra certas coisas, quer se aventurar no mundo das bets para garantir que, se o brasileiro quiser perder dinheiro, o faça sob a supervisão benevolente do Leviatã, e que o dinheiro perdido acabe nas mãos dos políticos. “Apostar é perigoso”, dizem eles. “Mas, se for com a gente, é seguro.”
Isso é tão descarado que me faz pensar em como que ainda existem brasileiros que não são libertários. O estado que diz querer proteger os pobres das apostas é o mesmo que os mantém eternamente dependentes de programas assistenciais, e que agora pretende usar esse argumento para controlar até o que essas pessoas fazem com o pouco dinheiro que recebem.
“Ah, mas é pra evitar que o pessoal use o Bolsa Família pra apostar!” — muge o gado. Que pureza repentina, não é? Que súbito zelo pela moral do pobre! Como se alguém que quisesse apostar, impedido de fazê-lo na bet estatal, fosse simplesmente desistir, em vez de procurar outro aplicativo qualquer, brasileiro ou estrangeiro, pra despejar seu Bolsa Família. O que vai acontecer é que quem quiser continuar apostando vai apenas contornar o sistema, e a Caixa vai ficar com a fatia dos trouxas que acreditaram na propaganda estatal da “aposta segura”.
Na prática, o governo não está entrando nesse mercado por altruísmo, mas por desespero fiscal. As apostas esportivas movimentaram cerca de R$ 120 bilhões em 2023, e a previsão é que o setor ultrapasse R$ 150 bilhões em 2025. Diante desse oceano de dinheiro, o estado percebeu que não poderia mais se contentar com a mesada dos impostos indiretos. Ele quer o prêmio principal.
O discurso da “regulação” serve como um verniz moral para esse saque disfarçado. A Caixa diz que a plataforma estatal vai garantir que o dinheiro circule em ambiente seguro, o que, traduzido para o português real, significa: “vamos garantir que o governo receba sua parte antes que o apostador receba qualquer coisa”.
E, claro, toda essa operação virá acompanhada de cargos, diretorias, licitações, contratos e consultorias. A bet estatal será mais um cabide de empregos, mais um setor pra distribuir benesses aos amigos do rei — e, se der errado, mais um prejuízo que será coberto com o dinheiro de quem nunca apostou um centavo.
No fundo, o que o estado está fazendo é o que sempre fez: reagir à criatividade do mercado fingindo que é inovação própria. O mesmo governo que tentou sufocar as bets privadas agora tenta copiar o modelo, lucrar com ele e ainda posar de guardião moral da sociedade. É o típico “faz o que eu digo, não faz o que eu faço”.
Há algo quase infantil na forma como o brasileiro médio encara o estado. Acredita, sinceramente, que o governo proíbe certas coisas “para o nosso bem”. Que o político é uma espécie de pai severo, que veta o chocolate antes do jantar para evitar dor de barriga. É um delírio persistente, mas fácil de desmontar: basta perguntar quando o estado agiu por princípio, e não por interesse.
Ele proíbe o cassino, mas tem a Mega-Sena. Proíbe a maconha, mas vende cigarro. Condena o jogo do bicho, mas mantém raspadinhas e loterias. Agora, ao ver o sucesso das bets, decide criar uma “alternativa estatal” — com o objetivo de roubar mais e ainda fazer a propaganda de que está trazendo mais segurança para o mercado.
E o mais perverso é que essa retórica cola. O sujeito que reclama das bets privadas vai aplaudir a versão estatal, porque “agora é confiável”. Ele não percebe que a única diferença entre a bet da Caixa e qualquer outra é que, na primeira, a casa é literalmente o governo. E, como sabemos, a casa nunca perde.
O libertário olha para tudo isso e enxerga a farsa por completo. Do ponto de vista libertário, não há nada de errado em apostar. O dinheiro pertence a quem o ganhou, e o uso que se faz dele é uma questão de liberdade individual, que diz respeito apenas ao indivíduo e aos seus familiares.
Apostar pode ser um erro pessoal, mas não é um crime. Viciar-se em apostas é um problema de autocontrole, não de polícia. E, como qualquer outro vício, deve ser tratado no âmbito voluntário — com apoio de familiares, comunidades religiosas, grupos como Alcoólicos Anônimos ou instituições privadas que ofereçam ajuda real, não com mais leis, impostos e mais burocracia.
O estado, por sua natureza, não é uma entidade moral. Ele não tem virtude, nem consciência, nem empatia. É uma máquina de coerção que se alimenta da produtividade alheia e disfarça sua fome com discursos de “responsabilidade social”. Quando ele diz que vai “proteger os vulneráveis”, na verdade está dizendo que vai controlar os vulneráveis.
Curiosamente, o único vício que o estado não tenta combater é o vício que o sustenta: a dependência das pessoas dele próprio. O cidadão que precisa do Bolsa Família, da loteria, do crédito consignado da Caixa, é o cidadão perfeito para o sistema — obediente, domesticado, eternamente grato. E é por isso que o governo nunca quer curar esse vício no estado.
Quando o estado entra no mercado de apostas, ele não está “protegendo o povo”. Está se tornando o próprio cassino. A diferença é que, neste cassino, o jogador não escolhe entrar — ele é obrigado a financiar o jogo com seus impostos, goste ou não, seja ele um apostador, ou não.
E, se o cassino estatal quebrar, como tantas outras estatais já quebraram, o prejuízo será socializado. A propaganda dirá que “a culpa é da crise”, e um novo programa surgirá para “resgatar a credibilidade do setor”. E o ciclo continuará.
Como já foi dito, a Caixa projeta faturar R$ 2,5 bilhões com sua plataforma em 2026. E é bom lembrar: faturamento estatal não é lucro pra ninguém, a não ser para os parasitas que vão torrar cada centavo proveniente do vício alheio. A cada bilhão que a Caixa faturar com sua bet, teremos mais servidores, mais diretorias, mais políticos posando de empreendedores de gravata.
O brasileiro, ao depositar esperança em qualquer projeto estatal, está sempre apostando — mas nunca no que imagina. Ele aposta que, dessa vez, o governo vai agir com eficiência. Que os burocratas não vão roubar. Que os contratos não serão superfaturados. Que o objetivo é realmente o bem comum. É uma aposta irracional, mas insistente, movida pela fé na autoridade.
E, enquanto essa fé persistir, o estado continuará vencendo. Porque a verdadeira bet do governo não é esportiva — é política. E nesse jogo, a casa joga com cartas marcadas.
No fim das contas, o “tigrinho da Caixa” será apenas mais um símbolo da decadência moral do estado brasileiro: uma instituição que se diz protetora dos pobres, mas que vive deles; que posa de árbitro da moral, mas age como parasita; que finge condenar o vício, mas depende dele para existir.
E quando, daqui a alguns anos, alguém se espantar com o escândalo da bet estatal — com contratos suspeitos, metas não cumpridas e lucros evaporados —, talvez se lembre que tudo começou com a promessa de “segurança”. A mesma segurança que o estado sempre oferece: a segurança de saber que, não importa o resultado, ele sempre vai ganhar.
https://www.tecmundo.com.br/mercado/407987-caixa-quer-lancar-bet-propria-em-novembro-e-faturar-r-25-bilhoes-em-2026.htm
https://exame.com/brasil/os-tres-numeros-que-mostram-o-mercado-gigantesco-das-bets-no-brasil/
https://plox.com.br/noticia/28/08/2025/crescimento-das-apostas-movimenta-r-150-bilhoes-e-acende-alerta-no-setor-financeiro#:~:text=O%20mercado%20de%20apostas%20no%20Brasil%2C%20que,institui%C3%A7%C3%B5es%20do%20setor%20financeiro.%20Imagem%20Foto:%20Pexels.