A Máquina de Propaganda do Estado: Memes, Gatinhos e a Guerra Digital pelo IOF

Depois da derrota no Congresso sobre o IOF, o governo Lula acionou sua máquina de propaganda digital: memes de gatinhos, influenciadores pagos e narrativa de “ricos versus pobres”. O que parecia só mais uma disputa tributária virou uma guerra digital.

Quando o estado perde no jogo democrático, ele não aceita a derrota. Ele muda as regras, mobiliza a máquina de propaganda e transforma a disputa política em uma guerra de narrativas. O caso do IOF nos deu uma aula magistral sobre como funciona o aparato de comunicação estatal no século XXI. Derrotado de forma esmagadora no Congresso — por 383 votos contra 98 na Câmara —, o governo Lula não recuou. Ao contrário, dobrou a aposta e partiu para uma ofensiva digital coordenada, usando desde inteligência artificial até memes de gatinhos para reconquistar o território perdido.

O que presenciamos foi algo inédito na política brasileira: um governo utilizando tecnologia de ponta para fabricar consentimento artificial, mobilizando influenciadores como soldados digitais e transformando a derrota institucional em combustível para uma campanha de manipulação em massa. Se você ainda acreditava que vivemos em uma democracia onde o povo decide por meio de seus representantes, prepare-se para uma realidade mais sombria.

A guerra começou no dia seguinte à articulação do Congresso para derrubar o decreto. Em 17 de junho, como revelou o levantamento da consultoria Bites, uma operação coordenada nas redes sociais entrou em ação. Não foi espontânea. Não foi orgânica. Foi uma campanha militar aplicada ao campo digital, com comandantes, soldados e alvos bem definidos.

O arsenal era diversificado: vídeos produzidos por inteligência artificial retratando Hugo Motta como "herói da elite", memes com gatinhos explicando tributação e uma retórica maniqueísta que dividia o mundo entre "ricos e pobres". A conta do TikTok "brasilsatiradopoder" liderava a produção de sátiras políticas por IA, enquanto o perfil oficial do PT divulgava imagens de trabalhadores carregando sacos de impostos nas costas.

Mas o que veio depois foi ainda mais impressionante. O PT convocou uma reunião com mais de 700 influenciadores — não os 300 inicialmente reportados, mas 700, segundo o próprio partido. Estavam presentes: Humberto Costa (presidente do PT em exercício), Jilmar Tatto (secretário de Comunicação), o publicitário Otávio Antunes, o advogado Marco Aurélio de Carvalho (do grupo Prerrogativas) e representantes da Fundação Perseu Abramo.

A Fundação lançou, no mesmo dia, o projeto "Pode Espalhar", cujo objetivo é disseminar conteúdos pró-governo em grupos de WhatsApp e redes sociais. O plano é manter a militância em constante estado de mobilização digital — uma campanha eleitoral permanente. A agremiação de influenciadores ganhou até nome: "Clube de Influência Eu Tô com Lula".

A Frente Povo Sem Medo entrou no coro com conteúdo ainda mais agressivo, usando imagens do Congresso em chamas. O slogan "Congresso Inimigo do Povo" virou tendência, empregado tanto pela FPSM quanto por parlamentares como Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Uma coordenação artificial para impulsionar a hashtag — exatamente o tipo de operação que o STF costuma chamar de "milícia digital" quando vem da direita.

Os números impressionam pela escala industrial. Entre 25 de junho e 2 de julho, mais de 1 milhão de publicações favoráveis ao governo circularam nas redes, gerando mais de 6 milhões de interações. O pico foi na quarta-feira, 2 de julho: 280 mil menções e 1,7 milhão de engajamentos. Para colocar isso em perspectiva, muitas campanhas eleitorais presidenciais não conseguem esses números.

Mas o mais revelador não eram os números — era a coordenação. Lula, o coletivo Mídia Ninja, Guilherme Boulos, influenciadores como Pedro Ronchi, Joanna Maranhão e Thiago dos Reis — todos marchando no mesmo ritmo, repetindo as mesmas palavras-chave, atacando os mesmos alvos. Uma sinfonia de vozes aparentemente independentes, mas todas tocando a mesma partitura.

O PT foi além: articulou a produção de conteúdo "autônomo" em uma reunião com influenciadores. A ironia é deliciosa: uma reunião coordenada para produzir conteúdo autônomo. Como se a espontaneidade pudesse ser planejada em assembleia.

As palavras do próprio Tatto são esclarecedoras: "Eles querem guerra? Vai ter guerra". E ainda: o partido encontrou, após dois anos e meio, a "embocadura certa" para mobilizar sua base digital. Traduzindo: descobriram como transformar militantes em peças de uma engrenagem de propaganda.

Para um libertário, isso não é surpreendente. É apenas a aplicação digital de técnicas que o estado sempre usou. A diferença é que agora temos as ferramentas para ver a máquina funcionando em tempo real. Podemos acompanhar os engajamentos, medir as interações, identificar os padrões. A propaganda deixou de ser invisível.

O que vimos foi uma demonstração cristalina de como o estado moderno opera. Quando perde no campo institucional — seja no Congresso, seja nos tribunais —, ele não aceita a derrota. Ele mobiliza seus recursos para fabricar uma nova realidade, onde sua versão dos fatos se torna hegemônica. E faz isso com o dinheiro público, com a estrutura estatal, com a rede de aliados construída ao longo de décadas.

A estratégia era sofisticada. Primeiro, simplificar a narrativa: "ricos versus pobres". Segundo, personalizar o conflito: Hugo Motta como símbolo da elite. Terceiro, emocionalizar o debate: gatinhos explicando tributação. Quarto, massificar a mensagem: milhões de publicações coordenadas. Quinto, legitimar a operação: influenciadores "autônomos" repetindo o mesmo discurso.

O resultado foi a criação de uma realidade paralela onde o governo não havia perdido, mas sim exposto a verdadeira face do Congresso. Onde a derrubada do decreto não era uma vitória democrática, mas um golpe da elite. Onde o aumento de impostos não era espoliação, mas justiça social. Uma inversão completa da realidade, fabricada artificialmente e distribuída em massa.

Mas talvez o aspecto mais sinistro de toda essa operação seja a utilização de inteligência artificial para produzir propaganda política. Estamos diante de uma nova era, onde o estado pode fabricar não apenas narrativas, mas rostos, vozes, situações inteiras. Os vídeos mostravam empresários fictícios exaltando Hugo Motta. Pessoas que não existem, dizendo coisas que não disseram, em situações que não aconteceram.

Isso representa um salto qualitativo na capacidade de manipulação estatal. Não estamos mais falando de spin ou de enquadramento de notícias. Estamos falando da fabricação pura e simples de uma realidade alternativa, onde até mesmo os protagonistas são artificiais. É a distopia orwelliana materializada em pixels e algoritmos.

E o mais preocupante: funcionou. A estratégia gerou engajamento, pressionou parlamentares, pautou o debate público. Deputados estaduais e vereadores começaram a replicar os memes de gatinhos. A "embocadura certa" de Tatto se espalhou como vírus digital, infectando perfis por todo o país.

O governo não apenas descobriu como usar as redes sociais para pressionar o Congresso — ele descobriu como transformar a derrota política em vitória comunicacional. Como fazer com que a opinião pública questione uma decisão tomada por 383 deputados eleitos democraticamente. Como fabricar um consenso artificial em torno de uma medida rejeitada de forma esmagadora pelos representantes do povo.

A ironia final é que tudo isso aconteceu em nome da "democracia" e da "justiça social". O mesmo governo que mobilizou uma máquina de propaganda digna de regimes totalitários se apresentava como defensor dos pobres contra a elite. O mesmo aparato que usou IA para fabricar realidades alternativas se pintava como combatente da desinformação.

E o pior: não há nada de ilegal nisso. O governo tem todo o direito de fazer campanha digital, de mobilizar influenciadores, de usar IA para produzir conteúdo. O que não tem é honestidade intelectual para admitir que está fazendo isso. Prefere se esconder atrás de uma retórica de "autonomia" e "espontaneidade", como se milhões de publicações coordenadas fossem fruto da geração espontânea digital.

Para nós, libertários, este episódio é uma lição sobre a natureza do poder estatal no século XXI. O estado não é apenas um aparato de coerção física — é também uma máquina de fabricação de consenso. Ele não apenas cobra impostos à força — ele também convence as pessoas de que é justo pagá-los. E quando perde essa batalha pela legitimidade, ele não recua: ele intensifica a campanha.

A guerra digital do IOF nos mostrou que vivemos em uma era onde a fronteira entre público e privado, entre governo e sociedade civil, entre informação e propaganda, está completamente borrada. Onde influenciadores "autônomos" são soldados digitais, onde memes de gatinhos são armas de guerra informacional, onde inteligência artificial é ferramenta de manipulação política.

O governo pode até conseguir reverter sua derrota no STF — afinal, a Suprema Corte já demonstrou várias vezes sua disposição para atender aos interesses do Executivo. Mas ele já perdeu algo mais importante: a ilusão de que respeita as instituições democráticas. A máscara caiu. A guerra foi declarada. E agora sabemos contra o que estamos lutando.

Não é apenas contra o IOF. É contra uma concepção de poder que vê a democracia como obstáculo a ser contornado, que entende a tecnologia como ferramenta de controle, que trata os cidadãos como alvos de uma campanha de manipulação. É contra um Estado que, quando perde no jogo democrático, simplesmente muda as regras.

Mas talvez o mais revelador de toda essa operação seja a completa ausência de reação do Supremo Tribunal Federal. Aqui temos uma lição cristalina sobre como funciona a justiça brasileira: dois pesos, duas medidas, sem qualquer pudor ou disfarce.

Quando alguns assessores do governo Bolsonaro supostamente se reuniam para coordenar estratégias de comunicação, isso virou o famoso "gabinete do ódio" — um nome criado pela imprensa, nunca comprovado formalmente, mas que serviu de base para inquéritos, prisões e censura. O STF transformou reuniões informais em organização criminosa, críticas ao governo em ataques à democracia, memes em milícia digital.

Agora, quando o PT organiza oficialmente centenas de influenciadores, cria o projeto "Pode Espalhar" para disseminar propaganda, usa o slogan "Congresso Inimigo do Povo", mobiliza a Frente Povo Sem Medo com conteúdo agressivo — tudo isso é apenas "rotina de uma secretaria institucional", nas palavras do procurador-geral Paulo Gonet. É o uso mais puro da novilíngua: O governo do amor criou um gabinete do amor pra combater o ódio. Não é uma fofura?

A hipocrisia é tão descarada que chega a ser cômica. O mesmo STF que vê "milícia digital" em qualquer crítica vinda da direita simplesmente ignora uma operação de propaganda 100 vezes maior e mais coordenada vinda da esquerda. Como bem observou o jurista Alessandro Chiarottino, "certamente a ação do PT se enquadra no que se chamou de milícias digitais. Agora, milícia digital não é um crime tipificado pela legislação. O problema são os dois pesos, duas medidas do STF, que certamente não verá nenhum problema nessa conduta, uma vez que praticada pelo PT e aliados."

É o que podemos chamar de regime "PT-STF" — uma fusão de dois poderes que eliminou qualquer independência entre eles. O que há ali não é uma corte, mas um partido em forma de corte; o que temos ali não são ministros, mas quadros político-partidários em situação de ministros ou magistrados.

A verdadeira batalha não é entre ricos e pobres. É entre quem quer ser livre e quem quer ser controlado. Entre quem acredita na democracia e quem acredita na propaganda. Entre quem respeita a vontade dos representantes eleitos e quem prefere a versão fabricada por algoritmos e chancelada por uma pseudo-justiça partidária.

E nessa guerra, meu amigo, gatinhos e memes não vão nos salvar. Só a consciência de que estamos sendo manipulados por um regime que se disfarça de democracia — e a coragem de chamar as coisas pelo nome que elas realmente têm.

Referências:

https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pt-faz-o-que-stf-chama-de-milicia-digital-sob-vista-grossa-da-corte/
https://www.infomoney.com.br/politica/crise-do-iof-vira-guerra-digital-governo-investe-em-ia-para-pressionar-o-congresso/
https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/colunistas/andre-fiedler/noticia/2025/07/memes-de-gatinhos-inundam-redes-da-esquerda-em-meio-a-disputa-por-impostos-veja-destaques-da-politica-cmcutas43007z0168djaxsoa4.html