A CHINA COMUNISTA quer MANDAR ATÉ na REENCARNAÇÃO DO DALAI LAMA

O Partido Comunista Chinês quer escolher quem será a reencarnação do Dalai Lama. Mas será que isso faz algum sentido prático?

A ocupação do Tibete pela China é apenas uma entre tantas ações absurdas tomadas pelo governo comunista chinês ao longo das décadas. Contudo, esse caso específico tem algumas peculiaridades que acabam chamando mais a atenção. De fato, a repressão chinesa em relação ao Tibete é tão expressiva, que até mesmo tocar nesse tema pode causar grandes transtornos para os envolvidos. Pense, por exemplo, em como Hollywood morre de medo de desagradar os chineses - e como atores como Brad Pitt e Richard Gere são boicotados na China, por seus papéis e opiniões pró-Tibete.
A ocupação chinesa dessa histórica região não é apenas militar. É também uma ocupação política e cultural, e que envolve um dos aspectos mais fundamentais da tradição tibetana: sua forma de governo, que mistura liderança política com liderança religiosa. Estamos falando, é claro, da figura do Dalai Lama - o governante tibetano que a China comunista tenta controlar há várias décadas.
“Dalai Lama” não é um nome próprio, não se tratando de uma pessoa, mas sim de um título. Esse título, que significa “oceano de sabedoria”, representa uma função que combina autoridade espiritual e responsabilidade política - embora, na prática, ele não seja o líder dessa religião. De fato, no Tibete, pratica-se o budismo relacionado à Escola Gelug. Como em todas as grandes religiões, surgiram diferentes interpretações das ideias originais do Buda ao longo dos séculos. E, no Tibete, a Escola Gelug se tornou predominante a partir do século 16.

(Sugestão de Pausa)

De acordo com essa concepção religiosa, o Dalai Lama é a reencarnação de Chenrezig, o bodhisattva da compaixão. O primeiro Dalai Lama, segundo a tradição tibetana, foi Gedun Truppa, no século 14. De lá para cá, outros 13 homens ocuparam esse cargo - todos eles sendo considerados reencarnações de Gedun Truppa. Este, por sua vez, é tratado como um “tulku” - ou seja, um ser iluminado que deseja voluntariamente retornar à Terra em um corpo humano para trazer sabedoria. Altan Khan, um poderoso líder mongol do século XVI, foi responsável por conceder o título de "Dalai Lama" a um importante lama tibetano da escola Gelug. Isso aconteceu em 1578, quando Altan Khan concedeu o título de "Dalai Lama" a Sonam Gyatso, que depois passou a ser reconhecido como o 3º Dalai Lama.
O atual Dalai Lama se chama Tenzin Gyatso - nascido em 1935, e que assumiu esse cargo em 1940. Em 1950, o governo comunista chinês - recém-chegado ao poder - promoveu a invasão do Tibete. A situação política dessa região permaneceu num limbo de relativa autonomia até 1959 - ano em que o Tibete se transformou, definitivamente, em uma província chinesa. E foi nesse mesmo ano que o Dalai Lama se exilou do Tibete para continuar seu governo em outro país - situação que se mantém até hoje.
Embora Tenzin Gyatso seja um líder proeminente, a verdade é que, no auge dos seus 90 anos, o atual Dalai Lama tem preparado sua sucessão. Essa ação não é puramente prática: ela tem, também, a finalidade de reforçar a autonomia do Tibete, em relação à China. Por isso, todo o início do procedimento para a determinação do novo Dalai Lama já tem sido feito. E esse processo, ao contrário do conclave católico, não envolve votação ou deliberação formal.
Após a morte de um Dalai Lama, os religiosos tibetanos começam a buscar pistas de sua reencarnação - mediante visões e sinais sobrenaturais que, tipicamente, são concedidas a alguns monges. Depois, se inicia uma busca por crianças que possam ser a reencarnação do Dalai Lama anterior. Se uma das crianças encontradas apresentar determinados sinais e comportamentos, sua escolha é então confirmada pelos principais líderes da religião. Depois disso, essa criança inicia seus estudos para, finalmente, se tornar o novo governante do povo tibetano. O processo de escolha do novo líder costuma levar alguns anos para ser concluído.
(Sugestão de Pausa)


Desta vez, contudo, o governo comunista chinês decidiu dar um passo adiante, no sentido de minar de vez a autonomia do Tibete. Na verdade, esse intento começou a ser levado a cabo 3 décadas atrás. Na tradição do budismo tibetano, existe outra figura espiritual muito importante, além do Dalai Lama - a saber, o Panchen Lama, que seria a reencarnação do Buda Amida, ligado à sabedoria. O Panchen é uma peça fundamental na escolha do Dalai. Este, por sua vez, ajuda na escolha do novo Panchen, quando este morre.
Em 1995, o atual Dalai Lama apontou a criança que seria a reencarnação do Buda Amida, ou seja, o novo Panchen Lama, após 6 anos de “sede vacante” para esse cargo. A criança escolhida foi Gedhun Choekyi Nyima que, na época, contava com apenas 6 anos de idade. Contudo, apenas 3 dias após o anúncio de sua escolha como Panchen Lama, o pequeno Gedhun e toda sua família foram sequestrados pelo governo chinês que, então, os levou para um local desconhecido. O Panchen Lama e sua família nunca mais foram vistos publicamente.
Logo na sequência, o governo comunista chinês apresentou seu próprio Panchen Lama - um menino de 5 anos, chamado Gyaincain Norbu e que, atualmente, também é vice-presidente da Associação Budista da China. Exatamente: o Partido Comunista Chinês, basicamente, decidiu definir quem era a real reencarnação do Buda Amida. Como burocratas fizeram para chegar a essa que é, basicamente, uma conclusão espiritual, isso pouco importa. O fato é que, a partir daquele momento, ficou claro, para todos, que a China comunista iria, sim, intervir na escolha também do próximo Dalai Lama.
Não foi à toa, portanto, que Tenzin Gyatso reafirmou a soberania tibetana na escolha de seu líder político e espiritual. E, igualmente, não foi sem motivo que Mao Ning, uma porta-voz do Partido Comunista Chinês, afirmou: “A reencarnação do Dalai Lama, do Panchen Lama e de outras grandes figuras do budismo tem que ser escolhida por sorteio numa urna de ouro e aprovada pelo governo central”. Por governo central, entenda-se: o Partidão que governa a China e seus territórios ocupados com mão de ferro.
(Sugestão de Pausa)


Na prática, o que Xi Jinping e seus asseclas querem é a eleição de um Dalai Lama que seja subserviente aos interesses comunistas e que, portanto, abandone qualquer ideia de autonomia e independência para o Tibete. E, nesse sentido, o uso da religião é fundamental para garantir o controle completo sobre essa província. Portanto, a reencarnação do Dalai Lama não será tratada, pela China, como um evento espiritual - mas, sim, como uma escolha burocrática estatal, feita em algum soviete de Pequim.
De fato, a intervenção do governo chinês em assuntos religiosos não se resume ao budismo tibetano — isso vale para praticamente todas as religiões aceitas na China. O governo de Pequim reconhece formalmente apenas cinco religiões: budismo, taoismo, catolicismo, protestantismo e islamismo. A razão pela qual existe o aceite estatal para essas religiões, embora o governo tenha declarado que a China é um país ateísta, é que todas essas religiões são controladas, de alguma maneira, pelo próprio governo. Sabemos bem que os comunistas veem as religiões, a própria ideia de espiritualidade e a verdade transcendental como uma ameaça ao seu dogma, já que eles sempre substituem a religião, seus líderes e deuses pela imagem do ditador, que passa a ser idolatrado.
Pense, por exemplo, na Associação Patriótica Católica Chinesa. Essa organização, formada, inclusive, por indivíduos que sequer têm religião, funciona como uma autoridade católica paralela ao Vaticano. A Associação não reconhece a soberania do papa sobre os assuntos católicos, agindo, inclusive, para nomear seus próprios bispos e padres, à revelia da vontade da Santa Sé. A Associação também funciona como mecanismo de monitoramento das atividades dos católicos chineses, evitando subversões e protestos contra Pequim e Xi Jinping.
As demais religiões permitidas também possuem sua própria associação - como a já citada Associação Budista da China, à qual pertence o Panchen Lama aprovado pelo comitê comunista. De fato, só existe uma razão para um governo comunista tolerar religiões: se elas puderem, efetivamente, ser utilizadas como mecanismo de controle sobre a população - coisa que a China tem feito, diga-se de passagem, desde os anos 1950.


(Sugestão de Pausa)


A interferência chinesa nos assuntos religiosos do budismo tibetano representa, em suma, aquilo que o Comunismo faz com absolutamente tudo. Em um governo de caráter marxista, não há qualquer tipo de liberdade. E a prática religiosa representa, basicamente, liberdade de pensamento - porque crer é, em resumo, pensar em algo de determinada forma. Controlar a religião é, então, um grande desafio para os comunistas - afinal de contas, aquilo em que cremos não pode ser confiscado, tributado, regulamentado ou legislado. Por isso, ao longo da história, as instituições religiosas sempre foram uma força intermediária entre os indivíduos e o estado, muitas vezes tendo o papel de limitar o poder estatal, como foi com a Igreja Católica, trazendo um outro tipo de autoridade sobre as famílias.
Veja, portanto, que 70 anos de repressão ao budismo tibetano não foram suficientes para extinguir essa religião, nem para minar a influência do Dalai Lama nos assuntos do Tibete. De lá para cá, a causa dessa região foi abraçada por inúmeros países; e o próprio Dalai Lama foi laureado como o Prêmio Nobel da Paz, em 1989 - no mesmo ano em que o governo comunista chinês promoveu o Massacre da Paz Celestial. Agora, os burocratas chineses tentam controlar o próprio espírito do Dalai Lama, adiantando que, sim, a próxima reencarnação precisará ser aprovada pelo politburo do partidão chinês.
Para tristeza dos comunistas, porém, a verdade é que governo nenhum vai conseguir controlar a religião por completo - pelos motivos que já foram expostos. O Império Romano falhou, a Revolução Francesa falhou, e o Partido Comunista Chinês também vai falhar nesse intento. Em algum momento, Xi Jinping e seu governo irão cair; mas o budismo tibetano, praticado por séculos a fio, vai continuar existindo. Sua prática — hoje em dia, isenta de antigos elementos que poderiam causar estranheza — é essencialmente pacífica e voluntária. Já a prática do comunismo - necessariamente violenta e coercitiva - é ineficiente demais para ser mantida de forma indefinida. Ao que tudo indica, esse novo episódio da violência estatal chinesa é, apenas, um dos últimos estertores de um regime fadado a desaparecer da face da Terra.


Referências:

https://veja.abril.com.br/coluna/mundialista/quem-sucedera-o-dalai-lama-china-quer-mandar-ate-em-reencarnacao/

https://pt.euronews.com/2025/07/02/dalai-lama-diz-que-vai-reencarnar-apesar-da-oposicao-da-china

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/para-nao-desagradar-a-china-hollywood-abandona-o-dalai-lama/