Se você acha que seria possível viver em uma sociedade regida por um estado forte e eficiente, com altos valores morais como honra, coragem e desenvolvimento tecnológico, desculpe, mas eu tenho uma má notícia.
Starship Troopers ou Tropas Estelares em tradução livre, é um filme americano de ficção científica lançado em 1997, dirigido por Paul Verhoeven e baseado no romance homônimo de Robert Heinlein. Heinlein publicou seu livro em 1959 logo após ser dispensado do exército americano, no início da guerra do Vietnã. Ainda hoje a obra é tida como cult, por ser considerada como uma crítica sobre o absurdo dos valores da guerra e da manipulação estatal. Se o livro é uma ode ao militarismo, o filme é uma sátira, mas pouco compreendida e injustiçada. Pois aqui estamos para defender essa magnânima obra de arte.
Então, já vai o aviso de spoiler. Se preferir, veja o filme e depois volte aqui para conhecer nossa visão libertária sobre a história.
O enredo conta a história do jovem soldado Johnny Rico, um argentino que segue para a carreira militar só porque a Carmem, a gatinha do colégio com quem ele tem um crush, vai também. O problema é que mulheres vão para as forças armadas para serem pilotas de naves espaciais, enquanto que os abestados dos homens vão para morrer no batalhão móvel de infantaria.
Nesse momento o diretor já nos apresenta como as decisões dos jovens são emocionais e irracionais, colocando a própria vida em rota de colisão com a triste realidade das coisas. Aliás, como pensava Rico em manter seu relacionamento com Carmem sendo eles de forças diferentes? Vai entender…
Já no início do filme, dá-se a entender que o ser humano só tem valor se lutou em uma guerra, se presenciou a violência e vislumbrou a morte. Assim, são os militares e os veteranos de guerra que têm o protagonismo em todas as áreas da sociedade. São eles que mandam e que dizem o que é certo e o que é errado. Não deixa de ser uma democracia, já que há decisões coletivas, no entanto, é uma democracia aristocrática militarizada.
Um dos pilares do pensamento em vigor é o de que a sociedade humana, militarizada como tal, detém a organização mais eficiente e a tecnologia mais avançada. Portanto, tem o dever de conquistar outras nações e até mesmo planetas, mesmo que seja necessário o uso de violência e morte para isso. Esse é o famoso conceito de raça superior defendido por darwinistas, positivistas, eugenistas e isso esteve como justificativa inicial de muitas guerras na nossa história.
A estética utilizada pelo diretor é extremamente militarista e mostra um estado organizado em torno de valores militares.
Ao longo do filme, o diretor abusa de paisagens desoladas, ruínas e locais destruídos, além de corpos espalhados pelo chão, ainda que seja de alienígenas. Desde os trajes utilizados, a organização lógica, os valores defendidos e a postura dos personagens evocam referências a estados totalitários extremamente militarizados. Se trata de uma alusão ao fascismo, desde seus valores internos, até a roupa que vestem.
Outra coisa que chama muito a atenção é que os insetos, um tipo de aracnídeo, tratados como inimigos da raça humana, sequer ofereciam qualquer tipo de ameaça à Terra num primeiro momento. Apesar de o ataque direto mostrado no filme seja dos insetos aos humanos (com a destruição de Buenos Aires), por meio de um meteoro, há uma implicação no filme de que essa agressão inicial pode ter sido provocada pela expansão humana no espaço. Ou seja, foi uma medida de retaliação dos insetos contra os humanos.
Alguns diálogos e informações apresentadas através dos noticiários e propagandas dentro do filme indicam que a Federação Humana já estava se expandindo agressivamente no espaço, colonizando planetas e possivelmente entrando em territórios dos insetos. Isso insinua que a guerra pode ter sido iniciada pelas ações expansionistas dos humanos, embora o filme não mostre explicitamente os humanos atacando primeiro, mas podemos perceber que a postura belicista dos humanos no espaço teve consequência.
A propaganda estatal divulga aos quatro ventos que os insetos estão jogando meteoros na Terra com o intuito de destruir nosso querido Planeta Azul. Alegam que os insetos têm uma tecnologia avançada que lhes permite direcionar os meteoros, para logo depois considerarem os insetos como burros e inferiores na preparação da invasão ao seu planeta. Aqui você vê como a retórica é usada pelo governo, independente da verdade objetiva dos fatos. Mas quem se importa com os fatos?
Então, fica ridiculamente claro como o governo cria uma narrativa que pinta os insetos alienígenas como malvados, como seres inferiores e que devem ser eliminados. Alguma semelhança com o que a Rússia fez com a Ucrânia agora ou o que o bigodinho fez com os judeus? Ou com o que Solano Lopez fez aos brasileiros e o governo americano fez com o Iraque?
Só que a brincadeira que o diretor propõe é usar a estratégia da desumanização, com quem realmente não é humano, mas no frigir dos ovos, isso importa? Porque após a propaganda governamental pró guerra, que está baseada em mentiras ou distorção da verdade, o que se segue é uma agressão gratuita contra aqueles que até o momento eram pacíficos.
Aliás, os insetos tentam se defender como podem, mas como não têm tecnologia avançada, arriscam suas próprias vidas para deter o avanço humano em seu território.
Do ponto de vista libertário, quem está certo nessa história são os insetos, pois agem apenas para proteger sua propriedade, seu território, suas tocas e sua prole. Mas o diretor tenta enganar o telespectador colocando a vítima em trajes animalescos, justamente o que sempre faz a propaganda estatal. Perceba como quem realmente se desumaniza é o ser humano! Ferindo a ética e atacando uma outra espécie pacífica, que não representa nenhum tipo de ameaça à humanidade.
De maneira geral, o filme se concentra em acompanhar as tropas de infantaria, ou seja, o pelotão de frente, que bota o próprio peito para enfrentar os alienígenas, infinitamente superiores em tamanho, força e velocidade frente aos humanos.
Nas primeiras batalhas morrem milhares de humanos. Só numa delas morrem cem mil humanos em uma hora. Mas essas batalhas são planejadas para darem errado, e assim, fortalecer a propaganda estatal causando comoção nas pessoas e conseguir a convocação de maiores contingentes para a guerra.
Dentro dessa lógica militarista, as mulheres são extremamente frias e masculinizadas e os homens são insensíveis e grosseiros. Tudo para gerar guerreiros sem alma, nem coração, muito menos ética ou lógica. Apenas guerreiros que seguem ordens de uma hierarquia sem contestação, justamente o que queria o governo da Prússia ao criar o sistema de educação que conhecemos hoje.
Então, a atuação dos soldados é um misto confuso entre encontrar um sentido para suas vidas vazias, se autoafirmar no grupo, cumprir ordens e desafogar raiva e ódio em ações de extrema violência.
Sem compreender direito pelo que estão lutando, os soldados apenas avançam no campo de batalha atirando a esmo contra seres estranhos, empilhando corpos e varrendo a paisagem com horror e destruição. Está claro também que essa foi justamente a situação da Primeira Guerra Mundial.
Ao fim, os humanos conseguem capturar o inseto-mãe, que tinha sido protegido por toda a sua comunidade. Esse pobre ser é levado para a Terra, numa forma de realocação forçada, que agora se torna um lugar estranho e hostil. Essa parte pode ser compreendida como as detenções exercidas pelos comunistas, nas quais levavam indivíduos para os gulags.
E, agora que está preso na Terra, o inseto-mãe sofre com experimentos científicos bizarros realizados por médicos sem escrúpulos ou ética. Exatamente como acontecia na Alemanha bigodista nas décadas de 30 e 40, nos inúmeros experimentos criminosos feitos em seres humanos nos campos de concentração e instituições estatais. Mas esses experimentos são mostrados como parte dos esforços dos humanos para entender melhor os insetos e, possivelmente, encontrar maneiras de derrotá-los - afinal, para os crimes estatais sempre há justificativas.
De maneira genial, o diretor deseja que nós, telespectadores, torçamos pelos humanos, já que somos humanos e nos identificamos com nossa espécie. Mas, de fato, nessa trama são os humanos que estão errados, são eles os agressores. Aqui o diretor propicia uma sensação de pertencer à Alemanha bigodista daquele período totalitário. É claro que o alemão médio queria que a Alemanha vencesse a guerra, no entanto, seu governo criminoso estava do lado errado, já que eram os agressores. E o mesmo você pode dizer da Rússia contra a Ucrânia. Talvez o russo médio encontre razões na propaganda estatal para desejar a vitória da Rússia, mas a verdade é que Vladimir Putin está do lado errado do ponto de vista ético. Foi ele quem colocou seu país como agressor contra a Ucrânia.
Mas nessa sociedade militarista que vemos no filme, a violência é a resposta final para qualquer tipo de pendência. Aqui, sim, se cumpre a profecia de Hobbes, em que o homem vira o lobo do homem e os mais fortes oprimem os demais.
Enfim, é justamente nas sociedades autoritárias e militaristas, como foram a Alemanha, a Itália fascista e os vários experimentos comunistas como a União Soviética e Cuba, que se cumprem as mazelas de todos esses falsos profetas, desde Marx, passando por Rousseau, Sartre, Frida Kahlo e Foucault.
Uma das mensagens mais poderosas do filme é a de que não podemos acreditar na propaganda estatal. Sempre há interesses escusos por trás da retórica dos governantes, que farão qualquer coisa para aumentar seu poder e controle sobre a sociedade, ainda que isso custe a vida de milhares de humanos ou extraterrestres pacíficos e inofensivos.
E para continuar nesse tema assista agora ao vídeo “Voluntários da pátria na Guerra do Paraguai? Só que não”, o link segue na descrição
Visão Libertária: "Voluntários da pátria na Guerra do Paraguai? Só que não"
https://www.youtube.com/watch?v=1WoOWWSiLrk