Uma decisão judicial no Equador pode nos dar um bom pretexto para excelentes debates libertários!
O caso em questão teve início há alguns meses, no Equador, mas sua repercussão final tomou lugar há poucos dias. Trata-se do caso de Paola Roldán que, desde agosto do ano passado, travava uma incansável batalha na justiça do país. Seu objetivo? Simples: obter sua própria morte. Roldán, de apenas 42 anos, foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica - ou ELA - em 2020, e de lá para cá, sua qualidade de vida despencou bruscamente. A doença degenerativa em questão, extremamente rara, se tornou famosa por ter acometido o físico Stephen Hawking e o guitarrista Jason Becker. Atualmente, a ELA é uma enfermidade sem cura.
Desde seu diagnóstico, há pouco mais de três anos, Roldán perdeu 95% de sua capacidade motora. Hoje, a equatoriana precisa de assistência hospitalar em tempo integral, vive ligada a aparelhos, não consegue sequer engolir alimentos e se engasga com frequência. Nos últimos meses, sua situação se deteriorou ainda mais; e ela chegou a receber a unção dos enfermos em diversas oportunidades. E sim, esse detalhe vai ser importante, já, já.
Em função de seu estado de saúde, Paola Roldán acionou a justiça equatoriana, buscando autorização para realizar sua própria eutanásia - tendo para isso o apoio de seu esposo e de seu filho pequeno. Decorridos cinco meses de intensa batalha jurídica, a Corte Constitucional do Equador - que é o STF de lá - declarou inconstitucional o dispositivo legal que proibia, até então, a eutanásia no país. Agora, portanto, Roldán poderá atingir seu objetivo, colocando fim ao seu sofrimento incalculável.
De início, precisamos frisar que a corte equatoriana fez exatamente aquilo que o STF brasileiro sempre faz: legislou sobre o tema. A lei do Equador determinava algo específico; no caso, o artigo 144 do Código Penal Integral indicava que o auxílio à eutanásia seria equiparável ao homicídio simples, com uma pena de 10 a 13 anos para o culpado. Porém, a Corte do Equador passou com um trator por cima do que o Legislativo havia decidido, determinando que, a partir de agora, a eutanásia não será mais criminalizada em território equatoriano. Além disso - brincando de Alexandre de Moraes, - a corte em questão determinou, também, que o Ministério da Saúde e a Assembleia Nacional devem providenciar normas que sejam mais adequadas a essa decisão.
De qualquer forma, a equipe jurídica de Paola Roldán tratou a decisão como um “marco” na história do Equador - além de ser um marco na vida pessoal da equatoriana, é claro. Roldán afirmou: “Vivi uma vida plena, e sei que a única coisa que mereço é uma morte digna”. Ainda não se sabem detalhes do que ela fará, a partir de agora, nem se sua eventual eutanásia receberá algum tipo de publicidade.
Posto o caso, vamos às nossas considerações. Em primeiro lugar, é preciso frisar que, do ponto de vista da ação do estado, toda essa história é injustificável - e isso desde a concepção das leis estatais. Não há o que se questionar aqui: o estado não possui, absolutamente, o direito de tomar esse tipo de decisão por ninguém. E, infelizmente, a tendência é que a eutanásia, tida num primeiro momento como um direito, se torne uma obrigação para os cidadãos. Afinal de contas, e acredite ou não, alguns governos já se consideram no direito de eutanasiar pessoas doentes, por meio de decisões judiciais. Duvida? Pois veja este nosso vídeo: “Justiça britânica condena BEBÊ à MORTE contra a vontade dos pais” - link na descrição.
Esclarecido o aspecto antiético da ação estatal, vamos falar do ponto de vista moral. Aqui, como sempre, uma mesma ação pode ser tida como certa ou errada, a depender da base moral em questão. A eutanásia é um tema bastante delicado, por lidar com uma série de fatores e que, portanto, levanta todo um conjunto de objeções. Temos desde posicionamentos puristas, religiosos, até mesmo declarações que relativizam a vida humana - coisa que costuma acontecer, com frequência, do lado progressista dessa história.
Vejamos o caso que motivou este vídeo. Vamos supor que Paola Roldán seja católica, uma vez que ela afirma ter recebido a extrema-unção. Pois bem: o que diz a Igreja Católica, a respeito da eutanásia? Bem, o Catecismo da Igreja não deixa nenhuma dúvida a esse respeito: “A eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as formas e os motivos, é um homicídio. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador”. Ainda assim, trata-se de uma abordagem moral sobre essa história. E, como libertários, defendemos o ponto de que a moral não deve ser imposta às pessoas, contra sua vontade.
Depois de colocados esses argumentos, chegamos então à nossa querida ética libertária. O que diz, portanto, o libertarianismo, a respeito desse tema? Bem, vamos deixar o Coliseu aberto para vocês, amigos libertários, porque há muito o que se discutir sobre esse tema. É quase como se fosse uma discussão sobre o aborto - ok, não preciso exagerar, mas você entendeu a ideia. Pois então, vamos partir de alguns pressupostos básicos.
A quem pertence a vida humana? Como diria o Chaves: “essa é muito fácil, faça outra mais difícil!”. A vida humana pertence ao próprio indivíduo - que é o natural detentor de seu corpo, e que pode dele dispor como bem entender, desde que isso não fira a propriedade privada de outras pessoas. E se entendermos a vida como a manutenção das funções vitais de um corpo, isso significa, por definição, que a vida está estritamente atrelada ao corpo e que, portanto, é propriedade privada daquele indivíduo. Obviamente, outras pessoas não podem dispor desse corpo como bem entenderem, sem a expressa autorização de seu dono - isso seria uma violência, uma agressão, um crime real.
Mas, e quanto à eutanásia? Ela é diferente do suicídio - porque, neste caso, ninguém poderia ser responsabilizado pela morte de um indivíduo, porque o próprio indivíduo age contra seu próprio corpo. Porém, a eutanásia - também chamada de “suicídio assistido” - é uma solicitação feita a terceiros, para que uma vida humana seja tirada. Geralmente, esse pedido é feito por quem não tem condições - ou coragem - de tirar a própria vida e que, portanto, resolve terceirizar essa função. Pois bem: isso seria válido numa sociedade libertária?
A verdade é que existem dois posicionamentos a esse respeito. O primeiro deles é, digamos, mais rothbardiano. A coisa seria bastante simples: o corpo é seu, e você faz o que quiser com ele. Afinal de contas, tudo num Ancapistão é contratual: você determina que quer ser morto pelo carrasco X, pelo meio Y, em função de uma doença Z, e está tudo resolvido. Não há problema ético algum envolvido nessa história. E sim: quem pratica a eutanásia é um carrasco; sem eufemismos aqui, ok?
Porém, outro entendimento trata essa situação de forma semelhante ao entendimento libertário sobre a questão da escravidão. Ok, ter escravos é algo completamente antiético; mas um indivíduo poderia, voluntariamente, se submeter à escravidão? E a resposta para essa pergunta é: não. O grande problema aqui é que todo contrato - seja ele escrito, verbal ou tácito - deve pressupor uma cláusula de saída - uma vez que ninguém pode ser obrigado a se manter em determinadas condições de forma indefinida.
Só que, num hipotético contrato de escravidão, o escravo, por definição, não pode escolher sair dessa condição - do contrário, estaríamos falando de um trabalho voluntário. Em termos mais filosóficos, podemos dizer que um indivíduo não pode assinar um contrato comprometendo sua vontade futura. Logo, um contrato nesses termos é nulo de pleno direito.
Mas o que isso tem a ver com a eutanásia? Como dito anteriormente, um indivíduo poderia pactuar a sua morte assistida por meio de um contrato, estabelecendo aí todas as condições que julgar pertinentes. Agora, imagine que as condições estabelecidas indiquem que determinado indivíduo precisará ser eutanasiado se ficar X dias inconsciente. Esse é um tipo de cláusula que deve ser atendida de forma automática pelo carrasco, sem nova anuência do doente, porque este estará inconsciente para consentir com o fim de sua vida.
Se a vontade do doente, quando da execução por parte do carrasco, ainda for morrer, então o carrasco não terá cometido crime algum - tudo será feito conforme o contrato original. Mas, e se a vontade do doente mudou, sendo que ele, agora, só não é capaz de manifestar seu novo desejo? Bem, então o contrato original se tornou inválido, por não conceder uma cláusula de saída para o doente - e o carrasco, por consequência, se tornou um homicida. Com base nessa interpretação, então, a eutanásia nunca poderia ser eticamente válida, uma vez que um indivíduo pode mudar de ideia durante a execução de sua morte, sem ter garantido o direito de desistir do contrato original.
Eu sei, o assunto é bastante complexo - mas vida e morte também são temas complexos; fazer o que, não é mesmo? Se você quiser mergulhar ainda mais nesse assunto, e se quiser uma abordagem mais detalhada sobre o tema - e, principalmente, se tiver estômago forte, - recomendamos o vídeo: "Qual o crime do canibal de Rotemburgo?", no canal Ancapsu Classic - link na descrição. Acredite em mim: esse vídeo vai te dar uma boa noção a respeito dos aspectos libertários envolvidos nessa história.
Como conclusão, precisamos lembrar, novamente, que o estado é um ente antiético e ilegítimo. O que a corte equatoriana fez foi legislar - coisa que não é de sua competência - sobre a vida de milhões de pessoas - coisa que é inaceitável, dentro da ética libertária. Mas, e num Ancapistão? Como que o caso de Paola Roldán se resolveria? Conforme demonstramos, mesmo dentro do libertarianismo, não existe uma opinião 100% consensual a esse respeito. Por isso, colabore com esse interessante debate e deixe, nos comentários, a sua opinião.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c04rxm83yn0o
"Justiça britânica condena BEBÊ à MORTE contra a vontade dos pais"
https://www.youtube.com/watch?v=YTSdNI3JR0I&pp=ygUmdmlzw6NvIGxpYmVydMOhcmlhIGp1c3Rpw6dhIGJyaXTDom5pY2E%3D
"Qual o crime do canibal de Rotemburgo?"
https://www.youtube.com/watch?v=L9sTdtLVxl8&pp=ygUlYW5jYXBzdSBjbGFzc2ljIGNhbmliYWwgZGUgcm90ZW5idXJnbw%3D%3D