A bilheteria nunca mente, mesmo quando todo o resto tenta.
Recentemente, Hollywood está fazendo um filme sobre Bolsonaro — e isso pode incomodar muita gente no Brasil. O filme "Dark Horse" vai narrar a corrida eleitoral de 2018, trazendo uma produção de peso dirigida por Cyrus Nowrasteh. E não estamos falando de um filme amador: o papel principal é de Jim Caviezel, mundialmente conhecido por interpretar Jesus em A Paixão de Cristo. O ator passou três meses no Brasil gravando o filme. O elenco ainda traz nomes de Missão Impossível e John Carter, além do brasileiro Felipe Folgosi, que interpretará um policial federal.
“Dark Horse” é uma expressão americana usada para descrever um candidato inesperado que surge silenciosamente e acaba vencendo contra as expectativas. Gravado inteiramente em inglês e com roteiro atribuído a Mário Frias, ex-Secretário Especial da Cultura no governo Bolsonaro, o longa foca no atentado da facada e mira, claramente, no mercado global.
O timing não poderia ser mais curioso. O filme surge no momento em que a figura de Bolsonaro está sob uma perseguição política que cresce a cada semana. Embora atualmente preso por tentativa de golpe de estado, Bolsonaro possui o apoio tácito da direita mundial, com destaques para Donald Trump nos EUA, Javier Milei na Argentina e Viktor Orbán na Hungria. O longa certamente jogará holofotes sobre a política brasileira, algo que pode ser positivo para a figura de Bolsonaro tanto dentro quanto fora do Brasil. Dark Horse será o primeiro filme estrangeiro a apresentar em detalhes a biografia de um presidente do Brasil, algo que é novo para a audiência internacional.
Agora, vale lembrar que essa história não é nova. O Brasil já tentou transformar presidentes em protagonistas de cinema antes… e o resultado foi desastroso. O filme "Lula, o Filho do Brasil", que retrata a vida de Luiz Inácio Lula da Silva, logo vem à mente quando se fala desse assunto. O filme sofreu com conflito de interesses e fracasso de bilheteria. Além disso é inegável atestar a ironia da vida: o filme sobre um presidente de direita foi produzido com recursos privados e orientado pelo mercado. Enquanto o filme sobre um presidente socialista contou com captação de verbas públicas, acabou associado a escândalos de corrupção e foi concebido com forte caráter propagandístico.
Lançado em 2010, ano eleitoral, a cinebiografia de Lula foi vendida como uma história de superação. O filme, dirigido por Féliio Barreto, narra a vida de Lula desde o seu nascimento até a morte de sua mãe, quando ele já era um líder sindical de 35 anos detido pela polícia política da ditadura. Denise Paraná, Daniel Tendler e Fernando Bonassi escreveram o roteiro, que relata episódios como a morte da primeira esposa de Lula, a mudança de sua família do Nordeste para São Paulo e o alcoolismo de seu pai. Estes episódios somados moldam o retrato romantizado de um personagem que ascende das adversidades e origem humilde à liderança política.
Apesar do viés dramático e do apelo emocional, o verdadeiro drama não estava na tela, estava na contabilidade. Grandes construtoras, incluindo a Odebrecht, a OAS, a Camargo Corrêa e outras que ganharam notoriedade em decorrência da Operação Lava Jato, apoiaram o filme. A PF encontrou indícios de que parte do financiamento foi feita de forma irregular. Trocas de e-mails entre executivos da Odebrecht, datadas de 2008, mostraram que Marcelo Odebrecht, então presidente da empresa, conversou com outros altos executivos sobre o apoio à produção.
Em uma das comunicações, Marcelo afirmou que "o Italiano", codinome para Antônio Palocci, ex-ministro nos governos de Lula e Dilma, havia perguntado sobre o andamento do apoio ao filme. Ele afirmou ainda que o compromisso de financiamento deveria ocorrer “sem aparecer o nome da empresa”, uma forma de apoio indireto que disfarçava a participação formal das empreiteiras. Outros nomes citados nos e-mails, como Alexandrino Alencar e Pedro Novis, confirmaram posteriormente à Polícia Federal que as conversas existiram.
Os investigadores também identificaram que o termo “seminarista” utilizado nas mensagens se referia a Gilberto Carvalho, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. As mensagens indicam uma articulação entre figuras políticas e empresariais para viabilizar o filme, o que levantou suspeitas de conflito de interesse: companhias com contratos bilionários junto ao governo federal financiando uma obra que retratava o próprio chefe do Executivo.
E o resultado prático? Prejuízo. O filme custou R$ 17 milhões e arrecadou apenas R$ 6,5 milhões. Um rombo de mais de 10 milhões. O público não reagiu como esperado, apesar da ampla divulgação e do renome do elenco, que incluía estrelas como Glória e Cléo Pires. Críticos apontaram que a obra, lançada em pleno ano eleitoral, funcionava mais como uma peça de propaganda do que como cinema.
A discussão sobre o incentivo estatal ao cinema e a captação de dinheiro público já é antiga na política brasileira. Enquanto filmes como Dark Horse dependem de capital privado e, portanto, de retorno comercial, obras como a cinebiografia de Lula operam dentro de um ecossistema onde o lucro já foi garantido pelo estado e não há incentivos reais para produzir uma boa obra.
Mas isso não é um caso isolado; é o padrão da Ancine. Um estudo da USP, realizado pelo acadêmico Matheus Rosso, analisando dados de 1995 a 2016, concluiu o óbvio: o subsídio quase sempre supera a bilheteria. Na prática, para cada 1 milhão de reais de dinheiro suado do pagador de impostos colocado em filmes, o retorno é de apenas 50 mil reais. Agora sim, podemos dormir tranquilos sabendo que nosso suado dinheiro está sendo gasto da melhor maneira possível.
Mesmo com essa bizarra taxa de prejuízo, o número de filmes financiados por recursos públicos continuou crescendo. Apenas 17,5% das produções incentivadas arrecadam valor igual ou superior ao montante recebido. Observar quanto os filmes incentivados arrecadam pode ser motivo de riso pela bilheteria ridícula — ou de tristeza ao perceber que seu patrimônio é saqueado pelo governo para bancar fracasso atrás de fracasso. O filme Coração Iluminado (1998) captou R$ 29,6 milhões, mas recuperou apenas cerca de 1% desse valor nas bilheterias. Outros filmes, como Amazônia Eterna (2014) e O Quinze (2007) seguiram o mesmo caminho do fracasso retumbante. Os documentários aparecem como o gênero mais deficitário, com uma média de ineficiência mais de setenta vezes superior à receita obtida. Ainda assim, o gênero recebeu atenção crescente após a criação da Ancine, passando de 3,4% para 11% do total de recursos captados. O estudo indica que o sistema privilegia grandes produtoras e diretores já consolidados, criando uma concentração de oportunidades e recursos que reduz a diversidade e perpetua a desigualdade no setor.
Boa parte do financiamento vem de estatais como Petrobras, BNDES e Banco do Brasil, instituições que respondem por uma fatia significativa do volume incentivado. A única explicação para o despejo de milhões de reais nesse buraco negro é o uso da cultura como ferramenta de construção de mitos nacionais e de legitimação de narrativas políticas.
Filmes sustentados por políticas públicas tendem a priorizar discursos alinhados a ideologias específicas, transformando a arte em veículo de afirmação política. Em contrapartida, produções privadas operam sob a lógica da oferta e da demanda, respondendo diretamente às preferências do público e assumindo riscos financeiros reais. Quando o retorno depende do espectador, o resultado costuma ser mais autêntico, pois o sucesso ou o fracasso se definem pela adesão espontânea do mercado, não por subsídios ou incentivos.
O estudo ainda aponta que a política cultural brasileira carece de critérios claros para definir o que pretende corrigir. A intervenção estatal, que deveria fomentar pluralidade, acaba incentivando uma homogeneização estética e ideológica, distanciando-se da audiência e reduzindo o espaço para a experimentação independente. A comparação entre o modelo estatal e o privado revela um conflito de racionalidades. No primeiro, o critério de sucesso é político; no segundo, é econômico e cultural. O cinema que depende do Estado busca justificar seu próprio custo através de significados simbólicos, enquanto o cinema que depende do público busca sobreviver por mérito de sua capacidade de emocionar, entreter ou provocar reflexão.
No fim das contas, a cultura de um país reflete sua liberdade. Quando o Estado escolhe o que financiar, ele escolhe o que deve ser lembrado — e isso é perigoso. A história ensina: sempre que a arte se mistura com o poder, a verdade morre e a criatividade se torna submissa. O financiamento estatal da cultura só gera dependência, paternalismo e propaganda. Consolida um sistema onde artistas e produtores competem por favores políticos, não por mérito artístico, resultando em uma obra burocratizada, afastada da realidade do público e cada vez mais refém das agendas de governo.
Toda essa análise só prova a veracidade de um velho ditado que não sai da boca dos Yankees, “Put your money where your mouth is”, “Coloque seu dinheiro onde está a sua boca”. O provérbio sintetiza o fato de que o mercado é o crítico mais honesto que existe, seja no cenário cultural ou em outros setores econômicos. Ele não se impressiona com discursos, não se curva a partidos e não é movido por ideologias. Ele apenas responde, de forma implacável, ao que o público realmente quer ver. A cultura financiada voluntariamente é o reflexo de uma sociedade madura; a cultura sustentada pelo Estado é o espelho de uma sociedade infantil que precisa ser tutelada.
https://www.omelete.com.br/filmes/dark-horse-filme-jair-bolsonaro-jim-caviezel-foto
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-04112019-162422/publico/OriginalMatheus.pdf
https://veja.abril.com.br/politica/lava-jato-investiga-financiamento-de-filme-sobre-a-vida-de-lula/?utm_source=chatgpt.com
https://veja.abril.com.br/brasil/dark-horse-filme-sobre-bolsonaro-tem-primeiras-cenas-divulgadas-assista-ao-teaser/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lula,_o_Filho_do_Brasil_(filme)