Parece que o ser humano é escravo por natureza e gosta de escolher o caminho mais fácil, indolor, de ganhos materiais e benefícios pessoais. Será que o ser humano decaído, ganancioso e materialista pode transcender para uma verdade superior à ideologia?
Fiodor Dostoiévski foi um brilhante escritor russo de origem humilde, que passou por verdadeiros percalços na vida. Perseguido pelo sistema, enfrentou o exílio durante o período czarista. Ele foi filho de um médico que ascendeu, com muito esforço, dentro da burocracia russa e que era preocupado em garantir boas oportunidades aos filhos. Depois de muita luta, sangue, suor e lágrimas, finalmente seu pai conseguiu um título de nobreza na decaída monarquia absolutista russa.
Devido a sua origem, Dostoiévski teve contato com gente de verdade, gente como a gente, das classes mais baixas daquela época, como os camponeses, e ele conseguiu se conectar com esse tipo de gente de origem humilde, muitos com vidas sofridas e com ressentimentos de sua vida subalterna, sofrida e desvalorizada.
Dostoiévski recebeu uma formação cultural muito consistente, estudando francês, latim e tendo contato com diversas obras da literatura ocidental europeia, o que agregou muito em sua formação intelectual.
Em 1846 ele publicou seu primeiro livro, intitulado "Gente Pobre". Foi uma obra que fugiu do padrão, focando no sofrimento das classes populares e trazendo um olhar humanizante para pessoas marginalizadas. O livro inaugurou o romance social na Rússia. Mas Dostoiévski foi muito além de questões sociais, indo de encontro a questões existenciais e espirituais, pois em sua visão, o cerne dos problemas sociais não eram resolvidos com meras políticas sociais. Para outros escritores russos, no entanto, a literatura tinha uma finalidade política de causar agitação social e influenciar politicamente as pessoas, como se fosse uma mera propaganda. Mas isso era só naquela época né, hoje não! A mídia é isenta e apenas deseja informar a gente de tudo o que está acontecendo. É o padrão Rede Goebels de qualidade.
Mas voltando ao nosso ilustre escritor, em 1848 houve alguns levantes revolucionários na Europa, e as notícias sobre a revolução chegaram como uma bomba na Rússia. O czar, um tirano que governava com mão de ferro, sabia que os pseudo-intelectuais estavam a escrever sobre essas revoluções, e o ditador logo iria fortalecer a censura e perseguir aqueles que desobedeciam ao regime. Dostoiévski e outros intelectuais, incomodados com os problemas na Rússia como o regime de servidão, estavam interessados em trazer o debate do que ocorria na Europa para a Rússia, e isso culminou na prisão do escritor e de vários de seus colegas. Eles receberam a sentença de morte, quase sendo fuzilados, chegando a ser enfileirados em frente aos soldados russos para receber a pena de morte por fuzilamento. Mas de última hora a sentença foi mudada, e eles foram condenados a 4 anos de trabalhos forçados na Sibéria. Esses 4 anos de prisão, vivendo na miséria, foram marcantes e mudaram a vida de Dostoiévski porque ele iria passar a escrever novas obras e se forjar como o intelectual que conhecemos. É nesse momento de dificuldade que ele percebe que a vida humana é um bem de valor inegociável. E o que resta no fim da vida é perdoar e ser perdoado.
Apesar de todos os vícios, problemas e depravação das classes populares, Dostoiéviski passaria a acreditar que haveria esperança para o perdão entre essas pessoas, e a possibilidade de desenvolver um profundo amor cristão. Mais tarde o escritor russo perceberia no camponês uma espécie de resistência às ondas revolucionárias que passavam pela Europa, tendo como base de sua religiosidade Jesus Cristo.
Dostoiévski acabou ficando cerca de 10 anos sem direitos civis após sua sentença de prisão, e ele iria lutar para recuperar esses direitos. Nesse tempo ele acabou amadurecendo sua cosmovisão, tendo publicado em 1861 a obra "As Recordações da Casa dos Mortos"; mais tarde "Memórias dos Subsolos", "Crime e Castigo", "O idiota", "O adolescente" e "Irmãos Karamazov". Mais maduro ele iria ter uma compreensão mais ampla sobre a Rússia, e faria uma síntese cultural desse grande império, com todos os seus povos e culturas diversos, todos unidos pelo amor de Cristo.
Para ele, a Rússia era a grande detentora da cultura cristã, e ele pretendia combater todas as ideologias de inspiração europeia que desprezavam os valores tradicionais fundamentais aos russos, como o socialismo. Ele via com desconfiança todos os projetos sociais e ideologias utópicas que ameaçavam a liberdade, a individualidade e o espírito humano. Assim, em sua obra "Os Irmãos Karamazov", ele faria uma grande refutação do niilismo e do ateísmo, conseguindo criar enredos e personagens que traziam todos esses problemas do século XIX, os quais infelizmente avançaram e hoje sentimos seu peso.
O que Dostoiévski propõe é que o grande império eslavo russo assuma às rédeas de seu futuro e guie a humanidade nessa empreitada contra os males da humanidade e do espírito revolucionário.
E é nesse movimento de fazer entender o mal do socialismo, da tirania e do espírito anticristão e revolucionário, que Dostoiévski elabora a obra "Os Irmãos Karamázov", na qual em um dos capítulos há o conto "O Grande Inquisidor". O prolífico escritor russo viu no espírito revolucionário de sua época uma rejeição aos valores cristãos de humildade, amor e sacrifício. Para ele, essa revolta contra Deus, contra a ordem natural e contra a ordem divina, levaria ao caos moral e à opressão e foi isso que ele se esmerou em retratar, fazendo uma crítica consistente à visão materialista da vida que os socialistas ateus têm.
Na obra, o jovem Ivan Karamázov, de apenas 24 anos, representa o racionalismo ateu radical, que se tornou dominante na Europa ocidental moderna a partir do Iluminismo. Na história, ao conversar com Aliócha, seu irmão, que era bastante inocente, ele diz que escreveu um poema e deseja lê-lo. O conto a que se refere é o "Grande Inquisidor", e nessa história, que se passa no século XVI, Jesus Cristo retorna à Terra, de forma inesperada e sem alarde, mas apenas para visitar. Nas palavras de Ivan, ele conta: “Em meu poema Ele [Jesus] aparece; é verdade que ele nem chega a falar, apenas aparece e sai”. Mesmo assim acaba sendo reconhecido pelas pessoas, que o acompanham e se aglomeram em seu entorno. Jesus, como ser poderoso e milagroso que é, cura um cego e faz uma criança voltar à vida, apesar disso, um autoritário e prepotente cardeal da Inquisição o vê e ordena que Jesus seja preso. Posteriormente, na prisão, num monólogo onde só o cardeal fala, temos as reflexões mais profundas do conto que coloca em choque a verdade espiritual e o transcendental contra a mentalidade revolucionária e socialista que promete conforto material, mas que entrega miséria e caos. O cardeal diz a Cristo: “Por que vieste nos atrapalhar?” Mas sabes o que vai acontecer amanhã? [...] amanhã mesmo eu te julgo e te queimo na fogueira como o mais perverso dos hereges, e aquele mesmo povo que hoje te beijou os pés, amanhã, ao meu primeiro sinal, se precipitará a trazer carvão para tua fogueira, sabias?” O cardeal então faz várias acusações contra Cristo sobre seu fracasso na Terra.
O cardeal nega que possa haver a liberdade prometida por Jesus Cristo porque os homens são muito rebeldes, e os rebeldes não podem ser felizes. Para o inquisidor, por Jesus ter recusado as tentações no deserto, acabou recusando o verdadeiro milagre contido nas “três questões” oferecidas por Satanás, ou seja, transformar as pedras em pães, jogar-se do alto do pináculo e ser amparado por anjos, e adorá-lo para dominar o mundo. Mas a verdade é que Jesus sempre negou as facilidades e poderes terrenos em nome do eterno, do amor de Deus e do Reino dos Céus. Jesus apenas queria do povo a entrega total, um amor real a Deus, algo que poucas pessoas conseguiam lidar, pois a verdadeira fé não se baseia em ver milagres materiais.
Num momento diz o cardeal: “Porque nessas três questões está como que totalizada e vaticinada toda a futura história humana, e estão revelados os três modos em que confluirão todas as insolúveis contradições históricas da natureza humana em toda a Terra”. Ao que complementa dizendo: “Queres ir para o mundo e estás indo de mãos vazias, levando aos homens alguma promessa de liberdade que eles, em sua simplicidade e sua imoderação natural, sequer podem compreender, da qual têm medo e pavor, porquanto para o homem e para a sociedade humana nunca houve nada mais insuportável que a liberdade!”. O cardeal tirano acredita que o ser humano não conseguiria lidar com a liberdade total, por exemplo sendo independentes de governos controladores.
Então esse conto nos faz refletir profundamente sobre o verdadeiro fardo da liberdade. Será que a desejamos? Será que estamos amadurecidos para ela? Será que estamos dispostos a desenvolver a fé para seguir a verdade? Será que alimentaremos princípios transcendentais, ou logo vamos nos submeter à tirania do mundo material?
Como toda ação tem suas consequências, é necessário responsabilidade para lidar com a liberdade, arcando com todos os custos diretos e indiretos de nossas ações. Será que o ser humano está preparado para a verdade sobre a liberdade que Cristo propõe? O ser humano que adora delegar responsabilidades individuais a líderes carismáticos, mas mentirosos, populistas e autoritários. Será?
O fato é que ao longo de séculos a humanidade escolheu o caminho da subjugação a qualquer suposto pretendente a salvador terreno. Desde que nos prometesse pão e circo, ou segurança. Sempre que propagando um futuro utópico e maravilhoso. E essa é a grande promessa de Marx e Engels no seu horroroso "Manifesto Comunista".
Mesmo com os resultados catastróficos de mais de 100 anos de erros da Rússia, mesmo com autoritarismo, miséria, fome e caos gerados pelo planejamento central socialista, até hoje tem gente que continua com esperança na utopia do igualitarismo. Essas pessoas abandonaram a verdade, a natureza humana, o divino e o transcendental e decidiram acreditar na religião do materialismo humanista, na religião igualitarista na qual o último rei será enforcado nas tripas do último padre.
Voltando ao conto, quando o cardeal diz a Jesus Cristo: “[...] Não há preocupação mais constante e torturante para o homem do que, estando livre, encontrar depressa a quem se sujeitar… [...] Não existe nada mais sedutor para o homem que sua liberdade de consciência, mas tampouco existe nada mais angustiante”. O cardeal corrompido dá a entender que o ser humano não conseguiria ser realmente livre, e completa dizendo que Jesus teve a audácia de recusar “as únicas três forças na Terra capazes de vencer e cativar para sempre a consciência desses rebeldes fracos para a própria felicidade: essas forças são o milagre, o mistério e a autoridade” – representados nas três propostas do Diabo. E os deuses terrenos, os ideólogos, oferecem a satisfação que nos aprisiona, o conforto da mentira e da falsa segurança.
Dostoiévski nos descreve o que ele mesmo chama de “retrato da blasfêmia máxima e a semente da ideia de destruição em nosso tempo, na Rússia e no mundo, entre os jovens desarraigados da realidade”. Trata-se não somente da rejeição do Deus transcendente, mas do sentido de Sua Criação. Em outras palavras, a mentalidade revolucionária ideologizada e o socialismo surgem da negação do sentido da realidade histórica, e culmina num programa de destruição da sociedade, seus valores, tradições, instituições e cultura. A consequência desse processo é a tirania totalitária comunista, o sistema mais anti-humano já visto na história da humanidade.
Toda ideologia rejeita a história como ela é, ignora os fundamentos da liberdade e desconsidera a falibilidade inerente ao ser humano – elementos essenciais para compreender a ordem da realidade, inclusive no âmbito político. Nossa liberdade deve reconhecer que não existem soluções simples para os desafios da existência – como nos prometem os comunistas -, e apenas uma compreensão profunda das bases da realidade pode nos proteger das armadilhas sedutoras das ideologias.
Afinal, o ser humano não vive apenas do que é material, mas também do transcendental, além de quê, somos criadores de uma cultura viva, de relacionamentos humanos dinâmicos, de comunidades e instituições.
Para finalizar por aqui, Dostoiévski nos revela: “A lei de Cristo, afirmam, é incômoda e abstrata, e pesada demais para as pessoas fracas suportarem – e, em vez da Liberdade (...), eles (os tiranos) lhes oferecem a lei das cadeias e da escravização”.
E para saber mais sobre os erros da Rússia, veja agora o vídeo: "MARIA, a MÍSTICA descentralizada e distribuída", o link encontra-se logo abaixo na descrição.
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/verdadeiramente-sereis-livres/?ref=busca
https://contraosacademicos.com.br/blog/a-lenda-do-grande-inquisidor-e-o-grande-cisma-em-dostoievski