A nova bolsa de valores do Rio foi anunciada esta semana, inclusive com vídeos engraçadinhos do prefeito da cidade. Mas a história é mais antiga do que parece, vamos aprofundar neste vídeo.
O Rio de Janeiro já teve uma bolsa de valores, a BVRJ, que foi inaugurada ainda no Brasil colônia, em 1820. No começo, os negócios se resumiam a câmbio, mercadorias, gados, seguros, fretes de navio e até escravos. A terrível prática da escravidão só foi abolida em 1888. Desde então, a bolsa de valores foi mudando junto com a sociedade, assumindo no século XX o papel que tem hoje, de mercado de ações. A BVRJ, foi o palco das privatizações do plano real, na década de 90, onde os títulos das empresas estatais foram abertos ao público. A bolsa do Rio foi perdendo relevância para a Bovespa, de São Paulo, e em 2000, suas últimas ações foram transferidas para lá. O mesmo aconteceu com a BOVMESB, Bolsa de Valores de Minas, Espírito Santo e Brasília. Desde então, o Brasil ficou somente com a bolsa de São Paulo, chamada atualmente de B3, Brasil, Bolsa, Balcão.
Finalmente, depois de mais de 20 anos, parece que será criada uma nova bolsa de valores no Brasil. A America Trading Group, ATG, planeja abrir uma bolsa de valores na terra carioca. Apesar do nome em inglês, a empresa também é carioca. Para quem não acompanha o assunto, parece que a ideia é novidade. Mas a ATG foi fundada há 15 anos, em 2010, com o intuito de criar uma bolsa de valores, para concorrer com a BMV/Bovespa, atual B3.
Vamos passar por essa história, para entender quem é a ATG e por que demorou tanto tempo para que o projeto pudesse ser realizado.
A ATG foi fundada em 2010 com o intuito de criar uma nova bolsa de valores no Brasil. Para se financiar, a empresa recebeu investimentos dos fundos de pensão do Correios: Postalis e Serpros. Em 2018, a operação lava jato acusou fraude nesse financiamento e prendeu preventivamente o fundador da empresa, Arthur Machado. Segundo a operação, Arthur dava propina para agentes dos fundos, para conseguir financiamento. Em 2023 a justiça entendeu que não havia provas suficientes e arquivou o caso.
Como não há provas, partimos do pressuposto da inocência dos envolvidos. De qualquer forma, ficamos com a pulga atrás da orelha em relação aos fundos de pensão do Correios. Como o Correios é uma empresa estatal, em última instância o dinheiro aplicado em fundos de pensão é dinheiro público. Você confia que os investimentos são feitos pensando no maior retorno possível? Ou será que as decisões são tomadas por fatores políticos, ou pessoais? Quando o dono do dinheiro está muito longe, que é o caso do dinheiro público, os incentivos não são para o gasto responsável.
Outro fator importante na história da empresa, foi a briga judicial entre a ATG e a B3. Eles levaram o caso para uma arbitragem, ou seja, justiça privada, para discutir os preços que a B3 estava cobrando para usar a sua infraestrutura. Isso estava inviabilizando a criação de uma nova bolsa de valores no Brasil. No final, a B3 teve que ceder. Até então parece tudo certo, já que são empresas privadas usando um intermediário privado. As relações num primeiro momento parecem voluntárias. O problema é que a arbitragem só foi feita por causa de uma decisão anterior do Cade. O Cade é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Sua função é julgar condutas anticompetitivas de empresas, para evitar monopólios. O Cade definiu que a B3 era obrigada a prestar serviços a terceiros, e em caso de discordância de preços, o caso deveria ser resolvido em arbitragem. Foi exatamente o que aconteceu.
Desta forma, pode-se perceber que o negócio entre B3 e ATG não foi voluntário. Somente uma das partes estava se beneficiando com o negócio. A outra foi forçada por um órgão governamental a participar. Logicamente, o Cade, ou qualquer órgão deste tipo, não poderia existir num livre mercado. Não há menor necessidade em criar órgãos de defesa econômica, pois a economia não precisa ser defendida do próprio mercado. O mercado é exatamente a economia acontecendo de forma natural. É verdade que em muitos casos, a concorrência é melhor para todos, já que ela tende a reduzir os preços e aumentar os salários. No entanto, há muitos momentos em que a união de empresas faz com que sua operação seja mais eficiente, também podendo levar a menores preços e maiores salários. A quantidade de empresas em um setor emerge naturalmente de um livre mercado. Quando o lucro está alto, mais empreendedores são atraídos para o setor. Quando o lucro está baixo, os empreendedores são repelidos. Não adianta martelar com a coerção do Estado um número arbitrário de empresas em um setor. Ou então um arbitrário tamanho de empresa ideal. Quem deve definir essas coisas são as interações no livre mercado. A B3 não deveria ter a menor obrigação de fazer negócios com alguém. Muito menos ter o preço definido por um agente externo.
Ainda assim, verdadeiros monopólios existem. Eles acontecem quando o Estado atrapalha a chegada de novos competidores. Isso pode ser constatado nessa mesma história da bolsa de valores do Rio. Vamos continuar com a história.
Em 2019, finalmente, as empresas chegaram a um acordo sobre o preço. Mas logo em seguida, a CVM, Comissão de Valores Mobiliários, reprovou o pedido de licença da ATG, por não cumprir todos os critérios a tempo. O mercado financeiro é um setor altamente regulado, tanto pelo Banco Central quanto pela CVM. Agora talvez tenha ficado claro por que é tão difícil concorrer com a B3. Esse é o resultado de qualquer regulação ou licenciamento. As empresas existentes são favorecidas, enquanto os novos concorrentes, com menos experiência ou capital, ficam prejudicados.
Num livre mercado não existiria CVM nem Banco Central, o que não significa ausência de regras. É natural que empresas exijam certificações ou critérios para poderem realizar negócios. Desculpe o balde de água fria, mas um livre mercado não estaria livre de algumas burocracias. A principal diferença é que elas surgem da demanda dos consumidores, e não da marreta estatal. Isso faz toda a diferença, na prática. Quando as regras são criadas por demandas reais de consumidores, elas tendem a ser o mínimo necessário, já que regulações inúteis aumentam o custo de produção e, portanto, o preço final. Isso não é do interesse do consumidor, então chega-se ao balanceamento ideal entre custo e risco. Já quando o governo define as regras, é muito fácil sobrerregular, já que não é ele que arca com o custo de um produto mais caro.
Neste momento, a ATG ainda não acabou com toda a fase burocrática, mas pelo menos já está na fase final. Enquanto se adequava às regulações, ela teve que tomar uma decisão importante: decidir em que cidade criar a nova bolsa de valores brasileira. A escolha não é fácil, já que os impostos de certos estados ou cidades podem inviabilizar o negócio. A empresa é gerida por cariocas, inclusive o atual CEO, Cláudio Pracownik, já foi executivo de finanças do clube Flamengo. Então, naturalmente, o Rio seria uma boa opção, se não fossem os impostos. A empresa conversou com o governador e o prefeito do Rio, e conseguiu reduzir a carga tributária.
Segundo uma postagem do LinkedIn da empresa, em resumo, se diz:
“O governador Cláudio Castro sancionou a lei que cria um regime tributário diferenciado para data centers, estruturas necessárias para o funcionamento dos sistemas de Bolsa.
O prefeito Eduardo Paes sancionou a lei que cria um regime tributário diferenciado, reduzindo para 2% o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) que incide sobre as atividades a serem desempenhadas por bolsa de valores”.
O governador e o prefeito não são bobos, eles sabem que 2% de alguma coisa é muito mais do que 5% de zero. Então a nova bolsa no Rio vai aumentar a arrecadação do estado e município.
A ação de diminuir impostos foi boa, já que qualquer imposto é por essência um roubo. Mas essa decisão nos traz a reflexão: quantos negócios são impedidos por causa da carga tributária? Se 2% em vez de 5% já faz grande diferença, imagina se fosse 0%? Quantas empresas, deste ou de outros setores, deixam de existir porque os impostos tornam os negócios inviáveis?
Aliás, a carga tributária das cidades também tem outros efeitos deletérios. Em princípio, as empresas deveriam escolher seu local baseado no acesso a recursos e na proximidade com os clientes. Quando as prefeituras criam impostos, este fator acaba influenciando fortemente na decisão. Desta forma, em vez de as empresas ficarem no local que serve melhor ao consumidor, acabam ficando em locais arbitrariamente definidos pelo jogo político.
Por fim, parece que, no segundo semestre de 2025, a bolsa do Rio finalmente será lançada. A bolsa seguirá o modelo, já comum no mercado americano, de roteamento de ordens em múltiplos mercados. Desta forma, todas as ações negociadas na B3 também serão negociadas na bolsa carioca. Não haverá necessidade de as empresas abrirem capital duas vezes.
Alguns se preocupam que a liquidez das ações diminua, já que as ordens de compra e venda estarão divididas em dois mercados. No entanto, a concorrência tende a diminuir taxas de negociação, e também impulsionar melhorias tecnológicas, atraindo mais compradores para a bolsa. O mercado dirá se o Brasil suporta uma ou mais bolsas de valores. De todo caso, vê-se que outros lugares do mundo têm mais de uma bolsa, e geralmente isso demonstra maturidade do mercado financeiro.
Enfim, esperamos que a nova bolsa facilite os negócios em terra brasileira, traga crescimento econômico, e seja uma notícia positiva dentro do cenário brasileiro, que se encontra pessimista no momento, devido às trapalhadas econômicas do presidente atual.
https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/mubadala-compra-atg-depois-de-investir-na-cerc-uma-nova-bolsa.ghtml
https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/a-bolsa-do-mubadala-ceo-conta-os-detalhes.ghtml
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/07/03/rio-tera-nova-bolsa-de-valores-operacao-deve-comecar-no-2-semestre-de-2025.ghtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bolsa_de_Valores_do_Rio_de_Janeiro
https://findect.org.br/noticias/postalis-pos-r-570-mi-em-empresas-ligadas-a-suposto-operador-do-pmdb/
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/04/13/interna_politica,673439/preso-na-lava-jato-arthur-machado-se-afasta-da-presidencia-do-alub.shtml
https://www.metropoles.com/colunas/grande-angular/de-defensor-da-educacao-a-preso-na-lava-jato-conheca-arthur-machado
https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2023/06/o-trf-1-arquiva-acao-penal-contra-o-empresario-arthur-machado-preso-na-operacao-rizoma.ghtml
https://www.linkedin.com/posts/americas-trading-group_rio-%C3%A9-oficializado-como-sede-da-nova-bolsa-activity-7214425609098129408-JcJd?utm_source=share&utm_medium=member_desktop