A República Federativa do Brasil e sua medíocre busca por uma identidade

Sim, o óbvio precisa ser dito (e talvez desenhado).

O órgão máximo do poder judiciário no Brasil, na segunda-feira dia 08 de abril do ano de 2024, finalmente decidiu, por 11 a 0 (ou seja, por unanimidade) contra a interpretação da norma constitucional da qual dispõe o art. 142, sobre as forças armadas, supostamente, terem a função de “poder moderador” no Brasil.

A maioria dos votos para contrariar esta interpretação havia sido formada no dia 01 de abril de 2024, última segunda-feira, embora, por uma questão de formalidade, ainda faltavam outros 05 ministros manifestarem os seus respectivos votos.

O ministro Gilmar Mendes declarou que o Tribunal está “reafirmando o que deveria ser óbvio”. “A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite.”, afirmou o ministro.

O plenário está julgando uma ação promovida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no ano de 2020 com o intuito de impedir que o art. 142 da Constituição Federal de 88 seja utilizado para justificar o uso do exército, da marinha e da aeronáutica para interferir no funcionamento das instituições democráticas no Brasil.

A tese do suposto “poder moderador” das forças armadas do Brasil foi levantada pelo ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, em uma tentativa de justificar eventual uso da força contra os outros poderes da União durante o seu governo.

Os magistrados julgam de forma definitiva, a ação proposta pelo PDT. Em meados de 2020, o relator do processo, ministro Luiz Fux, proferiu decisão de caráter liminar para confirmar que o famigerado art. 142 não autoriza intervenção das forças armadas nos três poderes.

Pelo texto da norma constitucional, as forças militares do Brasil estão sob o poder do Presidente da República e tem por objetivo a defesa da pátria e a garantia dos poderes da República.

Além do ministro relator do processo, Luiz Fux, todos os demais ministros votaram no mesmo sentido.

Em seu voto, o ministro Flávio Dino afirmou que não existe um “poder militar” no Brasil.

O julgamento é realizado em plenário virtual, nesta modalidade os ministros proferem os votos no sistema eletrônico da Corte e não há sessão presencial.

Após a repercussão, o comandante do exército, o general Tomás Paiva, se manifestou favorável ao entendimento manifestado pelos ministros, de que as Forças Armadas não são o Poder Moderador. Conforme o general, que, com veemência, manifestou seu apoio à Suprema Corte, e ainda acrescentou que cabe ao Tribunal, realizar a correta interpretação da Constituição.

Ainda, um oficial de alta patente acrescentou à fala do general Tomás, que este é o posicionamento da maior parte dos militares: “Poder Moderador, só Dom Pedro II”.

Voltando ao mundo real, já não é de hoje que os conhecidos por “bolsonaristas”, ou “gado verde e amarelo” imploram por uma intervenção das forças armadas no Brasil. Argumentando que o artigo 142 da CRFB de 1988 autoriza o uso da força para tomar o poder. Como um “golpe de estado constitucional”.

Qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento legal, lê o artigo e simplesmente não consegue chegar a esta absurda interpretação e mais ainda, não precisamos nem chegar “ao extremo” de ler o artigo, pois, se você entende que, pelo teatro estatal, os poderes são independentes e harmônicos entre si, e que as FFAA são submetidas ao poder executivo, como pode um dos poderes da república, que já é o responsável pela administração geral do governo, dentre tantas outras atribuições, assumir a função, ainda, de Poder Moderador?

Não é possível defender, de maneira lógica, esta função às FFAA, a partir do momento que, em última análise, esta seria função do executivo.

O Poder Moderador é um dos poderes do estado. É um poder que está acima dos outros três e tem a atribuição de literalmente moderar – equilibrar – as relações entre os três poderes inferiores.

A tese do poder moderador foi elaborada pelo pensador francês Henri-Benjamin Constant de Rebecque. Sua corrente de pensamento acrescenta um quarto poder à teoria da tripartição dos poderes, do Barão de Montesquieu, outro filósofo francês.

Segundo a tese do poder moderador, existiriam quatro poderes: O Poder Moderador (poder real), o Poder Executivo, exercido pelo Primeiro Ministro, o Poder Legislativo, exercido pelo Parlamento e o Poder Judiciário, exercido pela respeitosa Suprema Corte.

O Poder Moderador foi instituído no Império do Brasil pela Constituição Imperial de 1824 e foi exercido pelos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II. Tem como atribuição moderar os demais poderes, interferindo, quando necessário, nas atribuições de cada um para que não haja sobreposição de um poder sobre outro, bem como para que nenhum dos poderes se sobreponha à vontade popular.

O Imperador tinha o poder de nomear – quando o partido do pretendente ao cargo de primeiro-ministro possuia a maior parte das cadeiras no parlamento – ou destituir – quando o parlamento der voto de desconfiança ao chefe do poder executivo – o primeiro ministro.

Em casos específicos, pode dissolver o congresso nacional e, no mesmo ato, convocar novas eleições. E, por fim, pode nomear os ministros da Suprema Corte, indicados em lista apresentada pelo poder judiciário, em geral dentre magistrados de carreira.

Após breve contexto, já podemos perceber que o tal poder moderador se trata de um outro poder, autônomo e superior aos demais, necessariamente. Não se trata de um órgão que está submetido a um dos poderes, portanto, abaixo deste, a ser designado como moderador dos poderes.

Trata-se de uma tentativa desesperada dos derrotados de encontrar respaldo constitucional a um golpe de estado, quando, na verdade, nenhum dos golpes de estado que tivemos durante a história do Brasil, foi constitucional. Constituição alguma trará a previsão – mesmo que remota – da possibilidade de um golpe de estado como algo dentro da legalidade, ainda mais se formos considerar o contexto no qual a CRFB/88 foi promulgada – logo após um regime ditatorial militar.

Vejamos o art. 142, da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988:

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

O artigo em si, é auto explicativo. Damos ênfase ao seguinte trecho: “estão sob autoridade SUPREMA do presidente da república”. Ou seja, não há o que se falar aqui em poder moderador das Forças Armadas, lembrando que este (o moderador) deve estar ACIMA dos outros, não sob a tutela de um deles.

O poder moderador foi abolido no Brasil após o golpe de estado de 15 de novembro de 1889.

Se formos adentrar o teatro estatal, partindo do pressuposto hipotético de que uma forma de governo é de fato necessária, e analisar as estruturas de ambas as formas de estado, podemos chegar à conclusão de que um poder moderador nas mãos de um Imperador seria muito mais favorável às pessoas, se fôssemos resgatar os moldes aos quais ele era exercido no passado, do que a nossa atual república.

Em primeiro lugar, não veríamos um ministro censurar pessoas na internet por discordarem da sua ideologia ou da ideologia dos seus protegidos, por exemplo. Nem veríamos políticos na Suprema Corte do estado brasileiro, como acontece no Brasil atual, em que o réu indica o seu julgador.

Segundo, se o chefe do executivo perdesse o apoio popular, como vem acontecendo com o atual ser que ocupa o posto de presidente, como consequência disso perderia o apoio do parlamento que, por sua vez, imporia voto de desconfiança e o chefe do executivo seria deposto pelo Poder Moderador e um novo seria eleito.

Em uma república presidencialista, como a nossa, esses mecanismos são impossíveis, já que o principal agente é justamente o presidente, que não pode ser deposto, pasmem, por perder o apoio de quem o elegeu.

O sistema republicano-democrático é feito justamente para que os piores cheguem ao poder e para que os piores se mantenham lá.

Desta forma, os governantes não precisam se importar com os eleitores e seguem consumindo a máquina “pública” e utilizando-a em benefício próprio.

A existência de um Poder Moderador nos pouparia de ver um presidente aumentando impostos em 92% ao mesmo tempo em que gasta rios de dinheiro com viagens ao exterior, por exemplo. Nos pouparia de assistir passivamente aumentos sucessivos em impostos de modo geral, troca de favores entre presidente e parlamentares, concessão de privilégios a empresários igualmente parasitas que se aliam ao estado para burlar a concorrência e desbancar seus competidores, etc.

Sem falar que este poder promoveria a descentralização, uma vez que é mais uma competência a ser dividida no governo.

O estado brasileiro nunca esteve tão inchado e nunca pesou tanto nos ombros dos indivíduos e, a cada dia que passa, ficamos cada vez mais sobrecarregados e, os bolsonaristas, que pedem intervenção militar “constitucional” (risos), parecem não ter a mínima noção do que isso seja.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e durante o mandato do ex-presidente, não era raro ouvir que o então presidente, bem como seus seguidores estavam se “aproximando do liberalismo”, ou que “eram liberais de fato”. Entretanto, o que vemos na realidade, são pessoas ignorantes pedindo por mais um, dos vários regimes antiliberais que o Brasil já teve.

Bolsonaro nunca conseguiu esconder sua inclinação estatista e, quem está de fora desse transe, consegue notar em qualquer de suas falas, que, na primeira oportunidade que tivesse, jogaria pela janela essa pose de liberal – ao menos na economia – e retornaria às suas raízes estatistas, pois, afinal de contas é isso que ele sempre foi.

Dizemos que os governantes são o reflexo dos seus cidadãos, e isso, mais uma vez, se mostra verdadeiro, quando olhamos para o eleitorado do sujeito e vemos as mesmas mentalidades, só que de forma mais escancarada. Postura esta, que o político, por motivos óbvios, não pode ter frente às câmeras, mas que certamente compartilha delas em seu íntimo.

O fato de que o Brasil tem inúmeras ditaduras no currículo, acabou implantando na mente da população, em geral, que uma vida em sociedade necessariamente deve ser vivida sob um estado ditatorial e autoritário – ou, no mínimo, muito forte –, desta forma, na primeira crise, saem às ruas pedindo por uma ditadura, com a esperança de que, com a repressão, a crise moral/social, cesse. Isso vale tanto para os ditos “conservadores” (que não o são de fato) quanto para os comunistas/socialistas, que também possuem estranhos fetiches ditatoriais.

Com o advento desta república falida, o imaginário popular foi contaminado por esta crença absolutamente repugnante, de que o Brasil só pode funcionar na forma de uma ditadura, ou se alguém no governo tiver muito poder, como possui o presidente na nossa democracia – que por sinal, possui e exerce muito mais poder do que o Imperador do Brasil exercia há pouco mais de um século.

Na era imperial, o Brasil possuía um estado verdadeiramente liberal – dentro do possível para um estado –, mais liberal do que qualquer estado que tenha existido durante o período republicano. Tinha seus problemas, é verdade, mas em uma intensidade muito menor do que temos hoje. E, muito disso, se deve ao fato de que existia um poder responsável por equilibrar as relações entre os poderes constitucionais, impedindo-os de cometerem excessos, inclusive contra o povo.

Afinal de contas, o monarca, sendo ‘proprietário’ do país, tem menos interesse em destruir o próprio país – pois isto significaria a sua própria ruína – do que um presidente, que é apenas um zelador temporário, e possui a mentalidade de consumir do estado – de nós – o máximo possível no período de tempo mais curto possível.

Em uma forma de estado como a Monarquia Constitucional Parlamentarista que outrora existiu no Brasil, fazia total sentido a existência do Poder Moderador, visto que o monarca o exerceria com imparcialidade de fato, visando, no contexto do teatro estatal, o suposto bem da nação.

Mas não se engane, nenhum monarca cuida bem do país por amor ao povo mas, simplesmente, por considerar o país sua propriedade e querer deixar uma boa herança para os herdeiros.

No fim das contas, nem República, nem Monarquia, tampouco Ditadura. O único modelo verdadeiramente ético, moral e válido é o libertarianismo.

Referências:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-04/stf-tem-maioria-de-votos-contra-poder-moderador-das-forcas-armadas#
https://veja.abril.com.br/coluna/radar/em-um-ano-governo-gasta-r-1-bilhao-com-viagens
https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/08/por-unanimidade-stf-reafirma-que-constituicao-nao-preve-poder-moderador-ou-intervencao-militar.ghtml
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/com-entrada-em-programa-do-governo-compras-da-aliexpress-vao-pagar-imposto-de-92/
https://g1.globo.com/bkt-gglobo-jornalismo-g1-hdg2-prd_g1_estaticos/g1_htdocs/html/politica/noticia/2024/04/08/por-unanimidade-stf-reafirma-que-constituicao-nao-preve-poder-moderador-ou-intervencao-militar.ghtml
https:/www.gazetadopovo.com.br/economia/com-entrada-em-programa-do-governo-compras-da-aliexpress-vao-pagar-imposto-de-92/
https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-04/stf-tem-maioria-de-votos-contra-poder-moderador-das-forcas-armadas#

https://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Constant_(escritor)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Montesquieu
Constituição Política do Império do Brazil. 1824.
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.