A república do silêncio

Quanto uma situação deve piorar até o indivíduo tomar a decisão de fugir de seu próprio país apenas para sobreviver?

Neste vídeo teremos cuidado ao falarmos de certos temas e notícias pois o Senhor Youtube não gosta de determinados termos tão necessários para explicar a história triste que temos a contar hoje. Mas o que é uma dificuldade semântica diante dos horrores vividos por essa pobre população, que tem visto todos os dias um novo fundo, de um poço que parece não ter fim?

Vivemos tempos sombrios, mas algumas perversidades são piores que outras.

Na internet é possível encontrar relatos e matérias de jornais descrevendo com detalhes os horrores que a população venezuelana vem vivendo nos últimos anos. Em uma situação normal, mostraríamos o título de cada matéria, a fim de respaldar nossos argumentos. No entanto, por conta das condições exigidas pela plataforma, apenas as descreveremos brevemente.

A primeira matéria, da rede Record, entrevista uma venezuelana de meia idade que, para alimentar os filhos, faz programas todos os dias cobrando quarenta reais. Segundo a mesma, já havia tentado vender balas e outras bugigangas, mas não conseguia alimentar seus três filhos.

A segunda matéria, traz em seu título que a subnutrição infesta os presídios daquele país, levando os detentos a alimentarem-se da carne de outros detentos mortos. O terceiro é um relato em um fórum, de alguém que em visita àquele país, chocou-se com a história de um pai que, para alimentar as três filhas mais novas, fazia com que a mais velha fizesse sexo com homens em troca de dinheiro.

A República Bolivariana da Venezuela faz fronteira com Brasil, Colômbia e Guiana. Uma pessoa que foge, emigra ou se refugia em qualquer desses países, encontra lá condições melhores de vida do que em seu país natal, onde a vida se degradou aceleradamente nos últimos anos, estando atualmente com cerca de 95% da população abaixo da linha da pobreza. O propósito desse vídeo é tentar compreender o motivo da resistência do venezuelano médio em abandonar seu país e recomeçar a vida em outro com mais liberdades e oportunidades, para ter restaurada sua dignidade.

As pessoas tendem a sacrificar a liberdade por segurança e isso é um erro, porque nossa capacidade de analisar riscos é limitada e dependente de informações, sendo parte delas oriundas do sistema.

Observe que a informação é uma peça chave para entender o comportamento do venezuelano médio. A derrocada econômica foi contemporânea e coincidiu com o processo global de descentralização e distribuição das informações, particularmente potencializadas pelos smartphones. Quinze anos atrás era lançado o primeiro Iphone. A Venezuela, por sua vez, está mergulhando nessa crise econômica há pelo menos vinte anos. Isso implica em concluir que o mesmo evento, caso tivesse ocorrido em anos mais recentes, e tivesse a população tido a capacidade que temos hoje de compartilhar informações, talvez a história daquele país fosse diferente.

A tomada de ações agoristas é diretamente influenciada pela informação. Um antigo provérbio latino diz: “Ne nuntium necare” (ou: “Não mate o mensageiro”). Esses dizeres supostamente teriam surgido durante guerras antigas, quando reis e tiranos matavam os mensageiros que lhes traziam notícias ruins.

A velocidade do cavalo mais rápido era o tempo necessário para os monarcas descobrirem se a frente de batalha foi vitoriosa ou não. A velocidade da informação também é uma das revoluções sociais.

A transição tecnológica pela qual passamos nos últimos anos, no caso dos venezuelanos, foi, por diversos motivos, incompleta e a conclusão óbvia que se pode tirar é a de que este fato retardou a disseminação da informação e. como consequência. poderia ter mudado o curso dos eventos que se desenrolaram e culminaram no processo acelerado de empobrecimento.

A informação, contudo, é apenas parte da resposta.

A teoria de “entrapment” (do inglês,”armadilha”), é uma explicação psicológica para o fenômeno em que as pessoas continuam a investir em decisões ou cursos de ação mesmo quando as evidências sugerem que seria melhor desistir. Essa ideia surgiu a partir de experimentos como o de Charles T. Rubin na década de 1970, que envolvia situações em que os participantes eram convidados a investir recursos (como dinheiro) em uma tarefa ou atividade.

Conforme os participantes continuavam a investir, mesmo quando as probabilidades de sucesso eram baixas, o conceito de entrapment começou a emergir. A ideia central é que as pessoas podem se sentir "presas" em uma situação devido aos investimentos emocionais, financeiros ou temporais que já fizeram, mesmo que a lógica sugira que seria melhor abandonar a situação.

Na década de 50 outro estudo, desta vez realizado pelo fisiologista e psicobiólogo americano Curt Richter, envolveu ratos sendo submetidos a condições de afogamento. O experimento consistiu em colocar ratos selvagens e domesticados em cilindros com água dos quais não conseguiriam escapar, forçando-os a nadar para evitar afogamento e observando quanto tempo eles conseguiriam antes de desistir e afundar, o que seria interpretado como um comportamento suicida.
Ele mediu e comparou o tempo durante o qual os ratos lutavam para se manter à tona antes de eventualmente sucumbirem. De maneira simplificada, o doutor Richter pretendia estudar a resistência à morte e como o estado de medo poderia interferir na capacidade de sobrevivência.

O ponto chave do estudo ocorreu quando o fisiologista resolveu retirar momentaneamente as cobaias antes do ponto de exaustão e recolocá-las, e então, mensurar o quanto os ratos eram capazes de se recuperar e continuar nadando.

A descoberta foi a de que, sob a mera expectativa de que a retirada acontecesse novamente, as cobaias conseguiram sobreviver muito mais tempo do que na primeira fase. Tanto os ratos domesticados quanto os selvagens apresentaram um aumento significativo na quantidade de horas que conseguiram sobreviver, alguns passando de 60 horas.

Esse experimento, apesar de ter sofrido pesadas críticas das principais entidades de direitos dos animais, ainda hoje é utilizado para estudar a capacidade de resistência ao estresse e a importância da esperança e expectativa na sobrevivência de organismos em situações desafiadoras.

Embora essa pesquisa se concentre em aspectos psicológicos e de resistência ao estresse em animais, podemos traçar um paralelo conceitual com a situação humanitária na Venezuela em termos de resiliência e a importância de perspectivas positivas. A esperança desempenha um papel crucial na decisão de muitos em permanecer no país, apesar das dificuldades.

Embora enfrentem desafios econômicos, políticos e sociais, alguns mantêm a esperança de que a situação possa melhorar. Essa esperança muitas vezes está relacionada à expectativa de mudanças políticas, estabilização econômica ou à crença de que, ao permanecer, podem contribuir para a reconstrução da sua sociedade.

Além disso, os laços emocionais e familiares desempenham um papel importante. A decisão de deixar o país muitas vezes envolve deixar para trás entes queridos e comunidades, o que pode ser emocionalmente difícil. Assim, a esperança de uma transformação positiva no futuro, combinada com os laços familiares, pode ser um fator decisivo na escolha de alguns venezuelanos de permanecer em meio às adversidades.

Traçando um paralelo com o Brasil, não seria esse, o mesmo efeito que faz com que a direita brasileira ainda sonhe com a melhora econômica e social do país, ao invés de simplesmente buscar outro com melhores condições?

A fábula do sapo na panela é uma metáfora frequentemente usada para ilustrar a ideia de como as mudanças podem ocorrer gradualmente e serem imperceptíveis, levando a resultados negativos ou perigosos se não forem reconhecidas a tempo.

Na fábula, a história descreve um sapo que é colocado em uma panela de água fria. À medida que a água é gradualmente aquecida, o sapo se adapta lentamente à temperatura crescente e não percebe a mudança gradual. Ele acabou sendo cozido vivo porque não saltou para fora da panela quando as condições se tornaram perigosas, já que a adaptação foi tão gradual que ele não percebeu a ameaça iminente.

Os horrores vividos pela população venezuelana são impossíveis de se descrever. Essa equação é tão complexa quanto desumana e mexe exatamente com o que nos torna humanos. Portanto, nós que observamos de certa distância essa situação terrível, precisamos tirar o máximo de lições para mitigar os efeitos caso algo similar aconteça em nosso lar, em nossa comunidade, em nosso país. Isso implica criar estratégias de curto, médio e longo prazo, estudando onde desinvestir, selecionando suas fontes de informações, como poupar, em qual moeda confiar, criar estratégias de possíveis fugas, em resumo, planejar sobreviver “apesar” do Estado.

A degradação causada pela miséria corrói a própria natureza do que é humano. A crise humanitária que vive o povo Venezuelano certamente foi potencializada tanto pela complexa questão da esperança quanto pela ausência de um ambiente de informação distribuída. O pior tipo de escravidão que existe é um homem não poder dizer o que pensa, sendo o sinal mais claro de dignidade social o fato de uma população ter voz e poder comunicar-se entre si.

Este é, deveras, o traço mais marcante de todo psicopata estatal no poder: o desejo de silenciar todos os que pensam diferente do partido, diferente do que ele deseja e do que lhe convém. Esta é a república perfeita para esses psicopatas: a República do Silêncio.

Referências:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Venezuela