As inovações dos drones da Ucrânia mudaram a forma como os EUA planejam uma guerra com a China.
É difícil não enxergar o nível de entusiasmo que cerca atualmente os drones militares. E não é difícil entender o porquê. A guerra em curso na Ucrânia viu os drones transformarem-se de uma ferramenta de contraterrorismo personalizada — amplamente controlada pelos EUA e seus aliados — numa característica onipresente do campo de batalha moderno.
Os drones russos causaram mortes em cidades e destruíram infraestruturas energéticas em toda a Ucrânia, infligindo graves dores à população civil. Os drones ucranianos transformaram grande parte do Mar Negro numa zona proibida para a marinha russa — apesar do fato de a Ucrânia praticamente não ter marinha própria — e, nos últimos dias, os drones conseguiram penetrar profundamente no território russo.
Nas linhas de frente, os drones de vigilância são usados como observadores de artilharia, tornando essas armas muito mais eficazes e provavelmente contribuindo para um impasse, onde nenhum dos lados é capaz de tirar vantagem do elemento surpresa.
No Oriente Médio, as forças americanas viram a sua superioridade aérea visada por uma série de grupos armados não-estatais, enquanto o Hamas conseguiu usar drones extraordinariamente baratos com efeitos mortais, ludibriando as defesas aéreas de alta tecnologia de Israel.
Não é de surpreender que o Pentágono esteja à procura de aprender lições destes campos de batalha, especialmente porque prevê um potencial conflito futuro com a China. Mas embora os avanços tecnológicos, desde o arco e flecha até à bomba atômica, tenham mudado a natureza da guerra — tal como a guerra impulsionou a inovação tecnológica — o que distingue a nova era da guerra com drones das inovações militares anteriores é a forma como ela se desenrolará. Com os drones, os militares com vantagem não são necessariamente aqueles que possuem as armas mais avançadas ou mais poderosas — mas aqueles que possuem essas novas armas em massa e podem construí-las e substituí-las rapidamente.
Os drones Shahed, de fabricação iraniana que a Rússia tem lançado sobre cidades ucranianas e que recentemente mataram três soldados norte-americanos num ataque de milícias apoiadas pelo Irã na Jordânia, podem custar apenas 20 mil dólares cada — ou cerca de um quarto de milésimo do custo de um único caça-bombardeiro F-35. As forças ucranianas têm até adaptado drones de entrega comerciais de US$ 400 para atacar as forças russas.
Esses drones não são tão precisos ou poderosos quanto aeronaves tripuladas ou drones militares de ponta como o Reaper dos EUA, que custa cerca de US$ 32 milhões — mas não precisam ser: se um deles for perdido, não é grande coisa. O resultado é que os drones podem ser uma espécie de nivelador para forças materialmente desfavorecidas — sejam elas os rebeldes Houthi que perturbam navegação ou os defensores sitiados da Ucrânia que enfrentam escassez de fornecimentos de artilharia.
Tudo isto são más notícias para os militares dos EUA, que há muito dependem da pura superioridade tecnológica. Em resposta, o Pentágono está adotando uma abordagem “se você não pode vencê-los, junte-se a eles”, lançando um plano ambicioso chamado Replicator para construir milhares de drones baratos, substituíveis, todos em antecipação de um potencial conflito entre a superpotência e a China.
Os defensores vêem a iniciativa não apenas como uma nova arma, mas como uma transformação fundamental na forma como as forças armadas dos EUA se equipam para as guerras do futuro. No entanto, mesmo os mais firmes defensores do Replicador admitem que fazê-lo exigirá uma mudança total na mentalidade de uma das burocracias mais arraigadas do governo dos EUA — uma mudança complicada pelo fato de que tudo deverá acontecer muito rapidamente.
Em agosto passado, a vice-secretária de Defesa dos EUA anunciou o lançamento do Replicator com o objetivo de colocar em campo “sistemas autônomos atribuíveis em escala de vários milhares, em vários domínios, nos próximos 18 a 24 meses”. Ficou muito claro quanto ao alvo pretendido dessas armas: o maior exército do mundo em efetivo .
“O Replicator destina-se a ajudar-nos a superar a maior vantagem da China, que é a massa (numérica)”, disse ela. “Mais navios. Mais mísseis. Mais pessoas."
Não sabemos exatamente como estes drones irão operar, mas é provável que possam formar enxames coordenados para contrabalançar as vantagens da China em termos de massa e proximidade de um futuro campo de batalha.
As apostas dificilmente poderiam ser maiores. O objetivo do Replicator parece ser o de impedir um conflito com a China e, se for forçado a lutar, ter as capacidades necessárias para fazê-lo.
Já estamos há quase sete meses do anúncio do Replicator e o público ainda não tem uma boa ideia de como serão esses sistemas ou de quem os construirá.
O nome “Replicador” refere-se ao fato de o departamento esperar que os procedimentos utilizados para acelerar o programa possam ser “replicados” em todo o departamento.
Este replicador não será tão rápido, mas uma lição aprendida com as conversas com operadores ucranianos é que a guerra moderna de drones não requer apenas um grande número de sistemas, mas que esses sistemas devem ser adaptáveis a um ambiente em rápida mudança. Na Ucrânia, por exemplo, a guerra dos drones muitas vezes se resume a uma corrida para adaptar as máquinas às contramedidas eletrônicas e aos sistemas de interferência do outro lado.
As lições aprendidas com os operadores ucranianos informam que o ambiente "eletrônico" (de sinais) muda completamente. Quaisquer que sejam as capacidades que eles estejam desenvolvendo, foram desenvolvidas contramedidas para elas e, portanto, eles precisam se manter à frente da resposta.
A colocação, em campo, de frotas de drones a esta escala também irá, provavelmente, acelerar a adoção da inteligência artificial pelos militares, pois a única maneira de milhares de drones funcionarem é se você tiver alguma autonomia nos drones.
Como eles têm milhares de sistemas de controle, seriam necessários milhares de pessoas para operá-los, e isso representa um grande custo de pessoal para os militares.
Ambos os lados na guerra da Ucrânia afirmam estar a usar inteligência artificial para melhorar o desempenho dos seus drones. Até agora, qualquer utilização foi provavelmente limitada, mas a guerra também acelerou o desenvolvimento destas capacidades. O influente ministro da transformação digital da Ucrânia, Mykhailo Fedorov, descreveu os drones assassinos totalmente autônomos como um “próximo passo lógico e inevitável” na inovação militar.
Os estudiosos levantam preocupações sobre os riscos de que uma arma autônoma possa inadvertidamente desencadear uma crise internacional ao tomar alguma ação arriscada que um ser humano no circuito poderia ter decidido contra. Outra preocupação é que a velocidade dos conflitos futuros e o ritmo da inovação da IA (Inteligência Artificial) possam criar pressão para tirar os humanos do controle, pois os sistemas de armas autônomos são mais difíceis de testar do que outras aplicações da IA, como automóveis autônomos, pela dificuldade de simular as condições em que serão utilizados. Não se receberá feedback sobre como algo funciona até que a guerra aconteça.
A questão está na agenda dos governantes. Ainda na semana passada, os EUA acolheram uma reunião inaugural de um grupo de trabalho de governos centrado na utilização responsável da IA militar.
Independentemente disso, a era das aeronaves de IA provavelmente está chegando rapidamente. A USAF também está buscando um programa separado para desenvolver as chamadas aeronaves de combate colaborativas, ou drones “alas robóticos”: drones altamente autônomos que voarão ao lado de aeronaves tripuladas. Funcionários do Pentágono descreveram esse programa como “complementar” ao Replicator.
Construir esses drones na linha do tempo curta parece bastante ambicioso, mas isso é apenas o começo.
O objetivo do Replicator é colocar em campo vários milhares de sistemas autônomos até 2025, e essa é a métrica pela qual será medida a guerra em termos de sucesso ou fracasso.
O Replicator visa um processo obsoleto de aquisições e desenvolvimento do Pentágono que fez com que o tempo médio para o desenvolvimento de sistemas de armas dos EUA, desde a pesquisa e desenvolvimento até à implantação, praticamente quadruplicasse desde a década de 1970.
E embora os EUA tenham abrandado, os potenciais adversários aceleraram. Estima-se que os EUA demoram cerca de 16 anos a entregar uma nova ideia à capacidade operacional — contra menos de sete para a China.
Atribui-se estes atrasos a uma cultura de “análise de sistemas descontrolada” — a insistência em testes e análises exaustivas para novos sistemas.
Este já não é o caso, dadas as capacidades rapidamente crescentes da China e os investimentos do próprio país em drones e sistemas autônomos. O departamento tinha de encontrar formas de levar novos sistemas desde a ideia até à operação, e que isso significaria construir “uma cultura onde não há problema em assumir riscos aceitáveis, não riscos irresponsáveis, mas riscos aceitáveis”.
O maior desafio técnico para o Replicator não será a aerodinâmica, o alcance ou o software, mas a fabricação. Consideremos que está previsto que os EUA levem até 2025 para aumentar a produção de munições de artilharia de 155 milímetros — um sistema que não foi muito alterado desde o início do século XX — para satisfazer as necessidades do campo de batalha da Ucrânia. O Replicator, um sistema muito mais complexo e completamente novo, que ainda nem entrou em produção, supostamente será construído em um cronograma muito mais rápido.
A somar às dores de cabeça está o fato do setor comercial de drones dos EUA estar atrás do da China, onde empresas chinesas como a DJI dominam o mercado para os tipos de tecnologias que poderiam ser adaptadas para dupla utilização. As forças da Ucrânia foram celebradas por adaptarem estes sistemas prontos para uso para fins militares, e Kyiv agora compra cerca de 60% do fornecimento mundial do popular quadricóptero Mavic da DJI. Mas isso obviamente não é uma opção para os EUA quando a própria China é o adversário previsto.
Ainda assim, existe entusiasmado com o nível de ambição envolvido, pois pode-se basicamente adotar uma capacidade de produção do zero com novas tecnologias — esse seria o verdadeiro potencial revolucionário do Replicator.
Por mais futurista que o Replicator possa parecer, ainda existe o risco de os EUA estarem simplesmente travando a última guerra. Questiona-se até que ponto as lições dessa guerra — uma guerra em que drones pequenos, menos capazes, mas facilmente substituíveis, desempenharam um papel importante — seria aplicável ao combate no Oceano Pacífico com a China.
A geografia e as distâncias envolvidas no teatro do Oceano Pacífico são muito maiores do que na Ucrânia, e o tipo de drones que os Estados Unidos empregariam precisa ter mais alcance e resistência porque é provável que estejam baseados a pelo menos várias centenas de km de distância.
Portanto, a menos que os Estados Unidos pré-posicionem drones em Taiwan, será necessária uma classe diferente de sistema.
Teme-se que, dados os cronogramas rígidos estabelecidos para o Replicator, os tipos de drones que ele acabará produzindo não serão muito úteis.
Funcionários do Pentágono recusaram-se a comentar sobre as necessidades operacionais específicas do Replicator, reconhecendo que estão lidando com um ambiente muito diferente, um ambiente anfíbio.
A principal vantagem dos drones, claro, é que eles diminuem os riscos para as tropas humanas. Isso permite ter menos pessoas na linha de frente, replicando muito bem o que os militares fazem.
A mudança para uma grande ênfase em sistemas autônomos ocorre numa altura em que os militares estão reduzindo seus efetivos humanos. Em Fevereiro, o Exército Americano anunciou que iria reduzir o tamanho da sua força em 24.000 — cerca de 5% — principalmente ao não preencher postos já vazios. A medida faz parte de uma reestruturação deliberada à medida que o Exército se afasta do seu foco pós-11 de setembro no contraterrorismo, com cortes profundos nas forças de operações especiais e mais pessoal para drones, defesa aérea e capacidades cibernéticas. Isso também ocorre no momento em que o Exército Americano tem falhado consistentemente em seus objetivos de recrutamento.
Uma potencial guerra com a China envolverá, provavelmente, um maior número de tropas em combate e um maior número de baixas do que as que os EUA viram em décadas. É possível que, no futuro, os robôs consigam compensar, até certo ponto, os efetivos humanos em guerras como esta.
https://www.wsj.com/tech/drone-swarms-are-about-to-change-the-balance-of-military-power-e091aa6f?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter_axiosam&stream=top
https://warontherocks.com/2024/03/drones-the-air-littoral-and-the-looming-irrelevance-of-the-u-s-air-force/
https://www.ft.com/content/4bd2b770-422b-45dc-b495-52a08e3e927d
https://www.economist.com/interactive/science-and-technology/2024/02/05/cheap-racing-drones-offer-precision-warfare-at-scale
https://www.c4isrnet.com/artificial-intelligence/2023/11/26/pentagons-replicator-gambit-may-speed-decisions-on-lethal-autonomy/
https://apnews.com/article/russia-ukraine-war-drone-advances-6591dc69a4bf2081dcdd265e1c986203
https://mil.in.ua/en/news/ukraine-buys-60-of-the-world-s-mavic-drones/#:~:text=Ukraine%20buys%2060%25%20of%20the%20total%20volume%20of%20Chinese%20Mavic,including%20the%20Chinese%2Dmade%20ones.
https://www.cnas.org/publications/reports/evolution-not-revolution