Coringa: Delírio a Dois se tornou, na verdade, um “fracasso a três”.
O filme “Coringa”, lançado em 2019, foi um sucesso inquestionável. A obra, que conta a origem daquele que é considerado um dos maiores antagonistas do universo da DC Comics, custou meros US$ 55 milhões - uma mixaria para filmes de quadrinhos, nos padrões atuais. Contudo, o filme arrecadou mais de US$ 1 bilhão ao redor do globo, mesmo tendo recebido uma classificação para maiores de idade. Além disso, Coringa ainda concorreu a uma penca de óscares, com o ator principal, Joaquin Phoenix, recebendo uma estatueta dourada por seu papel. Em resumo: o filme foi um sucesso de público e de crítica.
Era inevitável, portanto, que uma continuação fosse feita - embora o primeiro filme não precisasse, necessariamente, de uma sequência. A Warner, produtora do longa, não deixaria essa mina de ouro em paz! Mas foi aí que a treta que, eventualmente, levaria ao fracasso da continuação, começou. Ao que tudo indica, o diretor do primeiro filme, Todd Phillips, não queria fazer uma continuação para sua obra que, segundo sua própria avaliação, era uma história fechada. Especula-se, também, que ele não ficou nada satisfeito com a glorificação de seu anti-herói, no primeiro filme. Fala sério!
Acontece que, no fim das contas, a grana venceu. O diretor, o protagonista e ninguém menos que Lady Gaga se uniram para realizar a sequência, batizada de “Coringa: Delírio a Dois”. Estima-se que o trio tenha recebido nada modestos US$ 50 milhões de cachê para participar desse trabalho - sim, praticamente o orçamento do primeiro filme inteiro. O orçamento total da continuação foi realmente muito mais generoso - algo na casa dos US$ 200 milhões. Contudo, a presença de Lady Gaga no projeto levantou, logo de cara, uma questão fundamental: será que ia ter música nesse novo filme? E, bem, depois de lançado nos cinemas, não dá para negar: Coringa 2 tem muita música sim.
De fato, os trailers já deixavam claro, para todos, que o filme seria um musical. Só que ninguém estava preparado para as intermináveis e enfadonhas 15 músicas entoadas, a todo momento, pelo casal principal. De qualquer forma, apenas o risco de a continuação do filme solo do Coringa ser um musical foi o suficiente para tirar a empolgação de muita gente. E as revisões de bilheteria de estreia demonstram isso.
Primeiro, as análises apontavam para um resultado de estreia na casa dos US$ 100 milhões - e isso apenas nos Estados Unidos! Contudo, conforme a data de estreia se aproximava, esse valor foi revisado para US$ 70 milhões e, por fim, para US$ 50 milhões - sim, metade da estimativa original. O resultado, porém, foi ainda pior. Coringa: Delírio a Dois estreou fazendo menos de US$ 40 milhões nos Estados Unidos - de um total de US$ 121 milhões mundiais. Pode até parecer muito, mas a verdade é que, dado seu orçamento, esse filme precisa fazer pelo menos meio bilhão de doletas para se pagar. Ou seja: há um longo caminho pela frente.
Agora, veja a comparação entre esse resultado e o de outros filmes do gênero, para você perceber o tamanho do buraco. O primeiro Coringa arrecadou US$ 96 milhões só nos Estados Unidos, em seu final de semana de estreia. De fato, ele foi um sucesso fenomenal; mas grandes fracassos de crítica e público também se saíram melhor que o dueto protagonizado por Joaquin Phoenix e Lady Gaga. The Flash largou nas bilheterias com US$ 70 milhões, enquanto que Madame Teia arrecadou US$ 41 milhões. Sim, esse é o tamanho do flop de Coringa 2.
É claro que alguém pode afirmar que, em algum momento, nas próximas semanas, o filme pode conseguir se recuperar - e exemplos recentes, como o da animação “Elementos”, mostram que isso é, sim, possível. Porém, esse não parece ser o caso da sequência do Coringa, devido ao problema do boca-a-boca. Não só a repercussão nos meios especializados tem sido ruim; o público que se arriscou a ir ao cinema tem massacrado a obra de Todd Phillips.
A nota de Coringa 2 no Cinemascore, um agregador de avaliações de espectadores, é simplesmente catastrófica. Numa escala que vai de A a F, com gradações, o filme marcou uma pífia nota D. O pior é que, nessa escala, nem tem um "E"; ou seja, o filme está a apenas um degrau de ser classificado como uma grande bomba. Já no agregador PostTrak, em que os filmes podem receber de 0 a 5 estrelas, por parte dos espectadores, Coringa 2 conseguiu apenas meia estrela. Então, o futuro desse filme nos cinemas não parece ser muito promissor.
E o pior é que, ao que tudo indica, esse também não vai ser um daqueles filmes que o público odeia, mas a crítica adora - porque a crítica também não comprou esse barato. No Rotten Tomatoes, tanto a avaliação do público quanto da crítica gira na casa dos 30% - ou seja, trata-se de um fracasso total. É desnecessário dizer que os números do primeiro filme são absurdamente melhores.
Que Coringa 2 já é um grande flop, que decepcionou os fãs do primeiro filme, vai naufragar nas bilheterias e vai se juntar ao rol das continuações que ninguém pediu e ninguém gostou, isso é um fato. Mas onde entra, nessa história, o tal filme cristão mencionado no título deste vídeo? Bem, estamos falando de um filme que talvez você nem conheça, mas que está fazendo certo rebuliço no mercado cinematográfico. Trata-se da obra “A Forja: O Poder da Transformação”, um filme que retrata a jornada de um jovem que, por meio da ajuda de um mentor e de muitas orações, busca dar um sentido à sua vida.
“A Forja” não ocupa tanto espaço na mídia; a verdade, porém, é que esse típico filme cristão norte-americano liderou as bilheterias brasileiras na semana anterior ao lançamento de Coringa 2. Aliás, o filme cristão continua com uma ótima bilheteria, figurando em segundo lugar, perdendo apenas para o palhaço cantor, tendo levado mais de 600 mil brasileiros ao cinema. “A Forja”, ao contrário do que deve acontecer com Coringa 2, cresceu após a primeira semana - um aumento de 112% na bilheteria brasileira.
Até o momento, “A Forja” já arrecadou US$ 30 milhões ao redor do globo. Isso parece pouco, se comparado ao valor que Coringa 2 certamente vai arrecadar. Contudo, a verdade é que o filme custou apenas US$ 5 milhões para ser produzido - então, faça as contas para ver quem vai lucrar de verdade nessa história. Mas a vantagem não para nos números: a aprovação de “A Forja” é muito superior à de Coringa 2. O drama cristão tem uma nota A+ no Cinemascore e 5 estrelas no PostTrak - 2 notas máximas. Já no Rotten Tomatoes, o filme acumula 73% de aprovação, por parte da crítica, e absurdos 99% de aprovação por parte do público. É “sucesso” que se fala?
Mas, afinal de contas, o que explica essa discrepância de resultados? Em diversas oportunidades passadas, nós falamos sobre fenômenos semelhantes, aqui no canal: um filme de baixo orçamento que desbanca uma grande produção de Hollywood. E, em todos esses casos, a explicação reside no mesmo fator: o mercado. A coisa é simples de entender: alguns filmes entregaram o que o público queria ver, e outros não. Os filmes do primeiro grupo lucraram e fizeram sucesso; os filmes do segundo grupo foram fracassos retumbantes.
Coringa 2, ao que tudo indica, foi feito para desconstruir a imagem do anti-herói que foi criada no primeiro filme. Ou seja: na prática, os realizadores da continuação decidiram entregar, para o público, o exato oposto do que motivou o sucesso do filme original. A mudança atingiu até mesmo o estilo da obra - que se tornou um desnecessário musical sem graça. E, como inúmeros casos nos mostram, o público é implacável, quando se sente traído.
Fora esse exemplo, existem inúmeros casos em que a ideologia - a saber, a lacração - foi colocada acima da qualidade do material apresentado ao público. Fracassos como o do mais recente Indiana Jones, Matrix 4 e As Marvels demonstram isso de forma clara. Por outro lado, filmes com uma temática mais leve e descompromissada, como Deadpool & Wolverine, ou continuações que não traíram o original, como Divertidamente 2, tiveram resultados expressivos nas bilheterias.
A verdade é que, seja no cinema, seja na indústria, ou mesmo no comércio varejista, o mercado é implacável. Todo aquele agente econômico que conseguir atender, de forma suficiente, o seu público, sem gastar recursos escassos em demasia nesse processo, vai ter sucesso - ou seja, vai ter lucro. Quem falhar nessa intenção vai ter prejuízo. E, nesse caso, não importa se esse agente econômico é um grande estúdio de Hollywood ou uma pequena produtora com um viés cristão: as leis do mercado funcionam da mesma forma.
Talvez - apenas talvez, - as pessoas estejam cansadas de gastar seu suado dinheirinho, no cinema, para assistir aos delírios autoindulgentes de cineastas que se veem como um primor da genialidade. Talvez as pessoas só queiram ver histórias de superação, esperança e fé, porque isso lhes dá alento diante das dificuldades do dia-a-dia. Ou, talvez, elas só queiram o bom e velho escapismo - algo muito satisfatório e bem-vindo, na correria do cotidiano.
Coringa: Delírio a Dois demonstrou ser, na prática, um delírio a três: o do diretor Todd Phillips, o do Joaquin Phoenix, que aceitou voltar para esse projeto, e do estúdio que depositou uma grana num projeto que não fazia o menor sentido. O resultado está aí, para todos verem. Mais uma vez, o cinema lacrador de Hollywood foi responsável por nos dar uma excelente aula sobre como funciona o mercado - mesmo em se tratando de cinema. A grande pergunta que fica é: será que os executivos do cinema vão aprender essa lição antes de falir por completo?
https://br.ign.com/coringa-2/130844/news/bilheteria-de-estreia-de-coringa-delirio-a-dois-e-um-absoluto-desastre-dizem-especialistas
https://www.bol.uol.com.br/entretenimento/2024/10/06/coringa-delirio-a-dois-decepciona-na-bilheteria-da-semana-de-estreia.htm
https://www.omelete.com.br/bilheteria-usa/4-outubro-2024
https://www.omelete.com.br/coringa-joker/coringa-2-pior-cinemascore
https://www.omelete.com.br/filmes/coringa-2-bilheteria-warner
https://www.rottentomatoes.com/m/joker_folie_a_deux
https://www.boxofficemojo.com/title/tt26731216/
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Forge_(2024_film)