A Briga do Executivo com o Legislativo: o que a crise do IOF revelou sobre o leviatã estatal?

Quando o governo tentou meter a mão no seu bolso mais uma vez, com o aumento do IOF, ele não esperava uma coisa: uma guerra entre os próprios poderes. A crise está instalada e revela a natureza do monstro estatal e seu cruel sistema de incentivos.

Nada ensina mais sobre a verdadeira natureza do Estado do que observar seu comportamento quando precisa de mais dinheiro. Recentemente, tivemos uma aula prática. O Poder Executivo, em sua busca incessante por recursos para alimentar a máquina pública, tentou aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. A medida veio por meio de um decreto — uma canetada que, da noite para o dia, mudaria as regras do jogo para investidores e empresas.
A reação foi imediata e reveladora. O Congresso Nacional, em um raro momento de agilidade, derrubou o decreto. Mas não se engane: não foi um ato heroico em defesa do seu bolso. O que vimos foi um capítulo explícito da guerra interna do Leviatã. O Executivo queria mais dinheiro. O Legislativo não quis abrir mão de seu poder, e muitos deputados sabem que essa medida pode custar milhares a milhões de votos. O resultado foi uma crise institucional que escalou até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Este episódio é um retrato perfeito. Ele mostra um governo faminto e predador, poderes em conflito e, no meio de tudo isso, o indivíduo produtivo sendo, como sempre, quem paga a conta. Vamos desmembrar essa crise para entender o que ela realmente significa sob uma ótica libertária.
(Sugestão de Pausa)
O decreto nº 12.499, agora sustado, era um ataque direto à poupança e ao investimento. A proposta não era um ajuste fino — era um aumento agressivo de arrecadação disfarçado de medida técnica. O plano era claro: taxar onde antes havia isenção e aumentar a carga sobre o crédito, a força vital de qualquer economia.
Primeiro, o governo mirou em investimentos populares, antes incentivados com isenção fiscal. Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e cotas de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) passariam a ser taxados pelo IOF. A mensagem era clara: o Estado não tolera que seu dinheiro renda livremente. Ele precisa da sua parte.
Além disso, o decreto previa a cobrança do imposto sobre aportes e contribuições para planos de previdência privada, como o VGBL, acima de R$ 300 mil. Era uma punição direta àqueles que tentam planejar um futuro sem depender da falida previdência estatal. O governo, na prática, dizia: “poupe para sua velhice, mas não se esqueça de me dar uma parte generosa agora”.
Para as empresas, o golpe vinha no encarecimento do crédito. O decreto elevava a alíquota máxima do IOF-Crédito para pessoas jurídicas. Em um país onde o acesso a capital já é caro e burocrático, a medida tornaria tudo ainda mais difícil. O custo extra, obviamente, não seria absorvido pela boa vontade dos empresários. Ele seria repassado aos preços, gerando mais inflação, ou resultaria em menos investimentos e, consequentemente, menos empregos.
Os defensores da medida — e a própria estrutura legal do IOF — se apoiam em uma ficção. Dizem que o IOF é um imposto de caráter “extrafiscal” ou “regulatório”. Sua função, em tese, não seria arrecadar, mas sim regular a economia. O governo poderia usá-lo para incentivar ou desincentivar certos comportamentos, como o crédito excessivo ou o investimento especulativo de curto prazo.
O que vimos, no entanto, foi o uso descarado e honesto do imposto para sua real finalidade sob a ótica estatal: arrecadar. O próprio governo admitiu que a medida era necessária para cobrir um rombo fiscal e cumprir metas de arrecadação. A máscara caiu. A desculpa da “regulação” foi abandonada em favor da sinceridade da ganância.
(Sugestão de Pausa)
Para um libertário, isso não é surpresa. Todo imposto é, em sua essência, uma espoliação — a tomada de propriedade privada por meio da força ou da ameaça de força. A distinção entre imposto “arrecadatório” e “regulatório” é uma mera artimanha semântica. Ambos servem para aumentar o poder do Estado sobre o indivíduo. Um tira seu dinheiro diretamente. O outro distorce suas escolhas para que você se comporte como o planejador central deseja. No fim, o objetivo é o mesmo: controle.
A Escola Austríaca de Economia nos ensina que a poupança é a base da civilização e do progresso econômico. É a decisão de adiar o consumo presente em favor de um futuro melhor. Essa poupança se transforma em investimento, que, por sua vez, gera bens de capital, ferramentas, máquinas e tecnologia. É isso que aumenta a produtividade e, consequentemente, os salários e a qualidade de vida de todos.
O decreto do IOF era um ataque frontal a esse processo. Ao taxar investimentos e poupança de longo prazo, o Estado aumenta o que os economistas austríacos chamam de “preferência temporal” da sociedade. Ele envia um sinal claro: é melhor consumir tudo agora do que poupar para o futuro. Afinal, se você poupar, o leão estatal virá abocanhar uma parte.
Essa política pune os poupadores e recompensa os gastadores. Ela desincentiva a formação de capital — o motor do crescimento sustentável. O resultado de longo prazo é uma economia estagnada, com menos inovação e menos capacidade de gerar riqueza. O Estado, ao tentar garantir sua arrecadação no curto prazo, destrói as bases da prosperidade futura de todos. É a lógica do parasita que consome o hospedeiro de forma tão voraz que acaba matando a ambos.
(Sugestão de Pausa)
A derrubada do decreto pelo Congresso foi comemorada por alguns como uma vitória do contribuinte. Essa visão é, no mínimo, ingênua. O Congresso não agiu por um súbito despertar de consciência liberal. Agiu em defesa de seus próprios interesses e de seu próprio poder.
Primeiro, há a questão do poder sobre o orçamento. Aumentar a arrecadação via decreto fortalece o Executivo. Esse dinheiro extra pode ser usado pelo governo para seus próprios projetos, diminuindo a dependência do Legislativo. Os congressistas, que veem no orçamento a principal fonte de seu poder e de suas preciosas emendas, não poderiam permitir tal afronta. Eles querem controlar a distribuição dos recursos extraídos da sociedade.
Segundo, há a disputa de poder sobre a própria criação de impostos. A Constituição — aquele pedaço de papel que os políticos ignoram quando lhes convém — determina que a criação ou o aumento de tributos é uma prerrogativa do Legislativo. Ao aceitar o decreto, o Congresso estaria abrindo um precedente perigoso, tornando-se ainda mais irrelevante.
O que assistimos, portanto, não foi uma luta do bem contra o mal. Foi uma disputa entre duas facções da mesma organização. Ambas querem o seu dinheiro. Elas apenas discordam sobre quem tem o direito de tomá-lo e como ele deve ser gasto. A briga não era sobre “se” o indivíduo deve ser espoliado, mas sobre “quem” teria a primazia de conduzir a espoliação.
(Sugestão de Pausa)
Talvez a consequência mais perversa de episódios como este seja a insegurança jurídica. Como um indivíduo ou uma empresa pode planejar o futuro em um ambiente onde as regras tributárias podem mudar com uma única canetada? O investimento produtivo exige previsibilidade. Ninguém investe em um projeto de longo prazo se o governo pode, a qualquer momento, confiscar uma parte maior dos lucros esperados.
Essa instabilidade crônica não é um defeito do sistema — é uma característica inerente ao intervencionismo. O Estado, para se manter, precisa constantemente de mais recursos. E ele os buscará onde for mais fácil e rápido. Decretos, medidas provisórias e interpretações judiciais convenientes são as ferramentas perfeitas para isso.
O resultado é um ambiente de negócios hostil. O capital, que é móvel e medroso, foge para lugares mais seguros. Ficam apenas os empresários que têm boas conexões com o poder político ou aqueles mais pobres que precisam se arriscar em um cenário de caos. A economia se torna um grande cassino, onde as conexões políticas valem mais do que a eficiência e a inovação.
A crise do IOF foi uma pequena janela para a alma do Estado. Ela nos mostrou sua fome insaciável por recursos, sua capacidade de gerar conflito e instabilidade, e a fraude por trás de seus discursos. O governo Lula foi derrotado nesta batalha específica, mas a guerra contra o indivíduo produtivo continua.
(Sugestão de Pausa)
Após a derrubada do decreto, o governo imediatamente começou a anunciar que precisaria encontrar “outras fontes de receita” ou realizar cortes em áreas sensíveis. A mensagem é a mesma de sempre: a despesa estatal é uma constante sagrada. O que muda é apenas de qual bolso o dinheiro será retirado.
Este episódio reforça uma lição fundamental do libertarianismo: o problema não é o IOF, a CPMF, o Imposto de Renda ou qualquer outro tributo específico. O problema é a própria existência de um aparato com o monopólio da força para extrair riqueza da população. Não há “imposto justo” ou “reforma tributária boa”. Enquanto o Estado tiver o poder de taxar, ele o usará para se expandir e para controlar.
A solução não está em torcer por uma facção do Estado contra a outra. Não está em acreditar que o Congresso ou o STF nos protegerão da voracidade do Executivo. A única solução real e duradoura é reduzir o tamanho, o escopo e o poder do Estado. Cada imposto, cada regulação, cada agência governamental é um tijolo no muro que nos separa da liberdade e da prosperidade. A crise do IOF foi apenas mais um lembrete de que nosso trabalho é derrubar esse muro — tijolo por tijolo.


Referências:

https://www.camara.leg.br/noticias/1169285-oposicao-quer-derrubar-novo-decreto-sobre-iof-governo-busca-entendimento/
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/iof-como-fica-o-imposto-apos-o-congresso-derrubar-o-decreto-do-governo/
https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2025/07/03/iof-entenda-o-imposto-e-a-crise-entre-governo-e-congresso
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/governo-nao-cortara-gastos-de-areas-sociais-para-compensar-derrubada-do-iof-diz-ministra/